Rosângela, você sempre diz que eu vivo longe, vivo no Mundo das Ideias. O uso da terminologia platônica é uma forma delicada e carinhosa de dizer que sou lunático. Sim, eu sei que não presto atenção às coisas, principalmente às coisas práticas. Às vezes, fixo-me em detalhes irrelevantes e esqueço o fundamental. Perdi vários anos da vida por cometer esse erro. Quando você me pede para prestar atenção ao mundo real, na verdade está fazendo uma declaração de amor: com tal gesto, você simplesmente quer que eu sofra menos. Nem sempre consigo, mas gostaria de conseguir só para lhe deixar mais tranquila.

CARREGANDO :)

Desde que nos casamos, eu não havia passado mais que dois ou três dias longe de você. Foi só fazer essa viagem ao exterior – de apenas uma semana! – para descobrir que ter você por perto é o meu bem mais precioso. Por melhores que sejam meus companheiros de viagem – e eles são ótimos, pessoas de grande sabedoria e caráter –, quem é que vai me lembrar de prestar atenção ao mundo? Quem é que vai mostrar a necessidade de viver o presente em estado de graça? Onde está o sorriso de olhos fechados daquela que amo?

Não é apenas a torneira que esqueço aberta, meu amor. Já esqueci a própria fonte da vida, durante a longa noite do ateísmo, quando minha mãe e minha avó rezavam por mim, para que eu voltasse a acreditar. Já me esqueci de telefonar para meu pai, e hoje não posso fazê-lo. Ele nunca mais me ligará durante a viagem tentando imitar a voz do Nelson Rodrigues. Por muitos anos, Deus falava em silêncio, e o ouvinte se recusava a ouvir.

Publicidade

Estar longe oferece a absurda esperança de reencontrar meus pais no aeroporto, no dia da chegada. Meu Deus, como é possível amar tanto o dia da chegada? Mesmo que a viagem tenha sido boa – e foi ótima, com uma calorosa acolhida de verdadeiros amigos –, o maior sentido de todo o caminho é o momento de voltar. Voltar! Voltar para casa, para Rosângela, para Pedro, para o lugar que não é o Mundo das Ideias.

Já não consigo imaginar como era o mundo antes que você e o Pedro existissem em minha vida. É impossível ficar longe de vocês, mesmo que a distância (geográfica ou temporal) seja imensa. Abro um livro do poeta Alberto da Cunha Melo e me vejo diante dos seguintes versos: "Moro tão longe que as serpentes / morrem no meio do caminho. / Moro bem longe: quem me alcança / Para sempre me alcançará".

A viagem de sete dias me fez descobrir que não posso estar longe, porque não moro em mim, moro em meu amor. Vivo perto.