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Nunca seremos realmente desenvolvidos enquanto todos os brasileiros não tiverem acesso universal àquilo que John Rawls chamou de "bens sociais primários"

"Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os minerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do mundo. O que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade". Assim matutava o Major Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto, patrono dos patriotas e dos otimistas brasileiros. (Aliás, Triste Fim de Policarpo Quaresma devia ser leitura obrigatória no Brasil, da mesma forma como o Livro Vermelho de Pensamentosdo Grande Timoneiro Mao Tsé-tung foi para os universitários no final dos anos 60, quando fumar maconha no campus ainda não havia se transformado na principal bandeira de luta da militância estudantil).

Tempo já o tivemos suficiente, com nossos 511 de história; imaginação não nos faltou para conseguir construir os andaimes da sétima economia do mundo, aos trancos e barrancos, amarrados com arame ou colados com cuspe algumas vezes, mas chegamos lá. Agora temos de evoluir de um país rico de recursos para um país realmente desenvolvido, que propicie à totalidade de seus filhos oportunidades para a plena realização como seres humanos. Para isso temos pouco tempo e necessitamos de muita imaginação e quando vemos as grandes contradições e as carências mais elementares com a qual convivemos, entendemos que ainda há um grande caminho a ser percorrido. Nunca seremos realmente desenvolvidos enquanto todos os brasileiros não tiverem acesso universal àquilo que John Rawls chamou de "bens sociais primários", aqueles que qualquer pessoa razoável consideraria essenciais para viver com um mínimo de conforto e segurança.

A boa notícia é que a imaginação pedida por Policarpo Quaresma começa a florescer nas áreas mais diversas. No Rio de Janeiro, depois de décadas em que a intelligentsia se deliciou procurando explicações sociológicas para o domínio da bandidagem sobre uma população amedrontada, apareceram alguns policiais, juízes e promotores imaginosos que resolveram primeiro botar na cadeia, de maneira pouco sociológica, bandidos notórios para depois ter mais tempo e tranquilidade para estudar a sociologia do crime. O resultado está à vista de todos e dispensa comentários. Na Rocinha, a bola da vez para a pacificação à força, o Sargento Garcia prendeu o Zorro, para usar a divertida frase da juíza Eliana Calmon, depois de anos de tolerância com o chefe do tráfico, que recebia homenagens de jogadores famosos e de políticos de todos os quilates.

O assassino confesso Pimenta Neves está na cadeia, depois de 11 anos de firulas jurídicas de seus competentes advogados, afinal derrotados pela firulas jurídicas de seus opositores do Ministério Público e apesar de Paulo Maluf, João Paulo Cunha e assemelhados, há razoáveis chances da Lei da Ficha Limpa sobreviver ao hiperformalismo de alguns de nossos ministros do Supremo Tribunal Federal, mais preocupados com a letra do que com o espírito da lei, atentos à qualidade dos atestados de óbito e não à existência de cadáveres.

Na economia, 20 anos de imaginação, disciplina e sorte enterraram anos e anos de parolice a respeito de combate à inflação, planos heterodoxos, tablitas, congelamentos e tabelamentos, tentações para dar o calote em nossos credores externos e anticapitalismo juvenil. Graças a isso, passamos de devedores relapsos e eternamente quebrados a detentores da quarta maior reserva financeira internacional do mundo e somos chamados a ajudar no salvamento dos que antes nos davam lições de prudência e de bom gerenciamento da nossa própria casa.

Antes, cantávamos a marchinha de carnaval: "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí! Me dá um dinheiro aí!". Agora ouvimos a marchinha cantada em grego, italiano, espanhol, francês e inglês. Convenhamos: era preciso muita imaginação para achar que isso aconteceria um dia...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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