Perito faz mediação durante reconstituição do acidente causado por ex-deputado| Foto: Pedro Serápio / Gazeta do Povo

Segundo delegado, reconstituição mostrou que ex-deputado sabia dos riscos que assumiu

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Moradores entorno do local do acidente reclamam da má sinalização

A reconstituição reuniu moradores que se queixam das más condições do trânsito na região. Outros motoristas também estariam abusando da velocidade na área. A reportagem conversou com oito moradores da região e todos afirmaram que acidentes são comuns na área por causa da sinalização precária.

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Carro da Polícia Civil usado na reconstituição; veículo que representava o Passat usado por Carli Filho não chegou a desenvolver os 120 quilômetros por hora mínimos para fazer o veículo saltar na inclinação onde se deu o acidente
Por não ter carros idênticos aos envolvidos no acidente, a polícia chama o trabalho de diligência e não reconstituição
O delegado Armando Braga, de colete, comanda as diligências no local do acidente
Policiais militares posicionados junto ao local da reconstituição
Peritos trabalham na reconstiuição do momento do acidente
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O carro do então deputado Fernando Ribas Carli Filho "decolou" pelo menos dez metros antes de se chocar com o carro dos jovens Gilmar Rafael Yared, e Carlos Murilo de Almeida no dia 7 de maio deste ano. A conclusão é dos peritos que fizeram, nesta segunda-feira (22), as medições no local, durante a reconstituição do acidente que deixou os dois jovens mortos. O trabalho foi feito durante duas horas e meia e envolveu cerca de 50 policiais, entre militares, civis e técnicos. Mais de uma centena de curiosos também acompanhou a diligência, que se iniciou às 22 horas e terminou por volta da 0h30 de terça-feira (23). Nem o deputado nem familiares dele compareceram.

O voo do carro do ex-deputado foi confirmado pelo perito Marco Aurélio Pimpão, chefe da Divisão Técnica do Interior. Alguns dos técnicos que trabalharam na medição chegaram a mencionar que os cálculos podem apontar mais de 20 metros entre a decolagem e a colisão. Para "decolar", o veículo teria que estar a uma velocidade mínima de 120 quilômetros por hora na pista, que tem pouco menos de 6 graus de inclinação. A velocidade final ainda não foi determinada - a polícia disse que só se manifestaria oficialmente após o laudo ser anexado ao inquérito.

O estudo determinou ainda a trajetória dos carros e a visão que os envolvidos tinham no momento do acidente, segundo o delegado Armando Braga, que comanda as investigações e não quis adiantar qualquer resultado preliminar. Braga deve requisitar uma simulação virtual de como foi o acidente, similar ao trabalho realizado por uma empresa contratada pela família Yared. Um perito técnico especialista em informática da cidade de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais, veio especialmente para isso.

A mãe de Gilmar Rafael Yared, Cristiane Yared, acompanhou o trabalho dos policiais com lágrimas nos olhos. "Tenho a sensação de não ter acordado de um grande pesadelo, parece que estou dentro de um filme", disse. Ela também aproveitou para se queixar do andamento das investigações. "Tem um deputado que não lembra de nada, um delegado que não sabe de nada e um hospital indiferente. É tudo muito estranho", disse.

Os familiares da outra vítima, Carlos Murilo de Almeida, não compareceram por ainda estarem bastante abalados, segundo o advogado Juarez Xavier Küster, que atende a família. Ele disse que aprova o trabalho feito pelo advogado da família Yared, Elias Mattar Assad, que chamou os holofotes da mídia para o caso. "Estamos trabalhando em conjunto na análise do inquérito. Não tem porque ter dois porta-vozes".

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O engenheiro Walter Kauffmann Neto, que fez uma simulação virtual do acidente, também esteve presente. Segundo cálculos do especialista contratado pela família Yared, o deputado atingiu velocidade de 191,52 quilômetros por hora. Membros da equipe da criminalística que pediram anonimato confirmaram que a velocidade deve ser próxima a essa. Kauffmann, que constantemente dialogava com peritos, disse que os estudos não apontaram "nenhuma divergência significante".

Diligência

A polícia isolou as ruas Pedro Viriato, Monsenhor Ivo Zanlorenzi com a Paulo Gorski e a Rua João Falarz. O delegado Armando Braga não chama o trabalho de reconstituição, mas de "diligências no local dos fatos", porque não teve os mesmos tipos de veículos envolvidos no acidente. "Para uma reconstituição precisaríamos dos mesmos carros e trafegar na mesma velocidade estimada. Como não temos condições de fazer isso, faremos o melhor possível com o que temos", disse o delegado, que usou carros da Dedetran (Delegacia de Delitos de Trânsito) e de propriedade particular para o ato.

A principal testemunha do caso, o enfermeiro Leandro Lopes, que viu o acidente, esteve no local acompanhando e orientando o trabalho da polícia. Os peritos tentaram resgatar os fatos da madrugada do dia 7 de maio, quando uma colisão envolvendo o ex-parlamentar, que estava alcoolizado e dirigia com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa, matou dois jovens.

O trabalho é considerado um dos últimos passos do inquérito que investiga o caso. O delegado Braga adiantou que "tudo leva ao entendimento de que houve dolo eventual", ou seja, o ex-deputado assumiu uma conduta de risco por espontânea vontade. Se esse também for o entendimento da Justiça, Carli Filho deve ir a Juri Popular.

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Dois jovens morreram; deputado renunciou

O violento acidente reconstituído aconteceu na madrugada do dia 7 de maio. O deputado dirigia um Volkswagen Passat de cor preta, que acabou batendo contra um Honda Fit de cor prata. Após a colisão, os carros foram parar em uma via local paralela à Monsenhor Ivo Zanlorenzi. Pedaços de lataria, vidros e ferros ficaram espalhados por cerca de cem metros. Os dois ocupantes do Honda, morreram no local.

O acidente ganhou repercussão nacional após a Gazeta do Povo revelar que Carli Filho tinha 130 ponto na carteira de habilitação e do exame do Instituto Médico Legal informar que ele conduzia o veículo em estado de embriaguez. O caso resultou na primeira renúncia de um deputado estadual na história do Paraná. Além disso, expôs um histórico de multas de políticos e de 68 mil cidadãos que dirigiam com a carteira de habilitação suspensa.

Depois da colisão, o governo do estado anunciou que passaria a "caçar" os motoristas não devolvessem carteiras de habilitação suspensa 48 horas depois de serem notificados. A Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) anunciou que poderia inclusive prender sob flagrante de crime de desacato quem não devolvesse o documento.

Nesse universo em situação irregular, 26 deputados estaduais já receberam notificação de suspensão de carteira. . Uma lista de motoristas com carteira suspensa que não fizeram a entregara no Detran-PR divulgada pelo governo do estado apontou ainda três dos 30 deputados federais paranaenses e o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento.

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O próximo alvo indiretamente relacionado com o acidente de trânsito parece ser a URBS. O advogado da família Yared quer perícia nas imagens de radares, que não teriam flagrado o deputado. A Urbs prometeu que entregaria imagens para o perito particular da família Yared.

A população também participou protestando contra a impunidade no trânsito, cobrando respostas da polícia, do Judiciário e da Assembleia Legislativa. Saiu às ruas em passeatas e fez campanha com adesivos nos carros – "190 km/h é crime".