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O trânsito é uma síntese da sociedade em que se vive. É o primeiro lugar onde as pessoas se encontram após deixarem o mundo privado do lar. Nele se expressam virtudes e defeitos de uma comunidade: ordem ou desordem, respeito ou desrespeito. Também há no tráfego urbano relações de poder, uma hierarquia de forças tal qual existe na vida social. Veículos motorizados são mais "fortes" que bicicletas, que são mais "fortes" que pedestres.

No Brasil, os motoristas em geral fazem questão de exercer sua superioridade no dia a dia das ruas e na definição de políticas públicas para o trânsito. Nesse sentido, a evidente falta de cuidado do país com os mais frágeis no tráfego é também um espelho da desatenção despendida aos mais frágeis da sociedade: crianças, idosos, doentes – sobretudo os pobres.

Esses grupos têm tanta dificuldade em fazer valer seus direitos como ciclistas e caminhantes. Assim como faltam hospitais ou boas escolas, não há ciclovias e calçadas em número suficiente. E, quando elas existem, há problemas.

O pedestre – o mais frágil do trânsito – não raras vezes enfrenta uma corrida de obstáculos nas calçadas. Às pedras soltas e irregulares se somam postes e placas mal instalados, carros estacionados no passeio e caçambas de entulho no meio do caminho.

Ninguém aceitaria que uma obra privada – a construção de um prédio, por exemplo – interrompesse cotidianamente a circulação de carros em uma avenida importante. Mas isso é feito diariamente nas calçadas, quando caminhões de construtoras ou operários de concessionárias de serviços públicos simplesmente invadem o espaço dos caminhantes para trabalhar. Frequentemente resta uma alternativa aos pedestres: desviar pela rua, passando no meio dos automóveis e correndo risco de atropelamento. Não deixa de ser uma apropriação particular do patrimônio comunitário – um dos grandes males do país.

Há no trânsito brasileiro e em outras esferas da vida pública muito da lei da selva, em que a força se impõe. Civilizar-se implica necessariamente abdicar da lei do mais forte. Respeitar o ciclista e o pedestre seria um importante avanço, quem sabe com reflexos em outras áreas. Essa é uma caminhada que precisa ser feita. Que seja a pé.

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