A cultura da violência cometida por agentes da segurança pública no Brasil – denunciada pela Organização das Nações Unidas nesta segunda-feira (7) – traz à tona um tema sensível para a segurança pública e para grande parte da população brasileira. Na semana passada, a então secretária Nacional de Segurança Pública, Regina de Luca Miki, afirmou à BBC que a mesma sociedade que pede o fim do militarismo nas polícias acha que “bandido bom é bandido morto”. Alarmada, ela pediu por uma polícia que faça prevalecer os direitos humanos.
O tema tem sido recorrente na segurança pública paranaense. Entre janeiro e novembro de 2015, 196 pessoas morreram em confrontos com a Polícia Militar do Paraná. Mas o assunto não atinge só a instituição militar. Em investigação recente, o investigador da Polícia Civil do Paraná, Newton Portela Franco, deu “graças a Deus” ao falar sobre a morte de Ricardo Geffer, um dos suspeitos pela morte de João Dirceu Nazzari, ex-prefeito de Rio Branco do Sul e primo do delegado Rubens Recalcatti. Franco, Recalcatti e outros seis policiais civis são acusados de participar da morte de Geffer, em abril do ano passado.
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Leia a matéria completa“Eu acredito que sim [foi um trabalho policial bem feito]. Em decorrência de uma ação de um marginal desse, ele entrar em óbito... Deu azar”, afirmou Franco em depoimento gravado ao Ministério Público. “Esse cara era um lixo”, completou, ao responder a um questionamento feito por dos promotores do caso. Ele, como todos os policiais acusados, nega que tenha sido uma execução e afirma ter ocorrido um confronto com a suposta vítima. O depoimento foi realizado nos últimos meses do ano passado, mas veio à tona no começo de fevereiro, quando a denúncia por homicídio triplamente qualificado foi aceita pela Justiça.
Análise
Os motivos da cultura da violência policial são diversos, mas alguns fatores podem ajudar a explicar como ela tem se propagado no estado e no país. Entre esses elementos estão o respaldo da população, a falta de crença dos policiais no sistema judiciário, o insuficiente aparato de controle das ações das polícias e uma formação viciada.
Ciclo da justiça precisa ser cumprido
Especialistas avaliam que o ciclo da Justiça – que começa na investigação policial e termina na condenação com trânsito em julgado – é fundamental para melhorar a segurança pública e para que o sistema judicial não seja interrompido pela morte do suspeito, salvo em exceções de legítima defesa.
Quando isso ocorre, a Justiça não é feita. “O que a gente vê é que quando há uma escalada da violência todo mundo perde: vai ter vítimas do lado da polícia e da sociedade”, disse o coordenador da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani. Mas não é só isso. Um suspeito morto pode acabar com uma investigação complicada. É possível que a vítima pudesse levar a polícia adiante em apurações sobre o crime.
A morte dele não beneficia ninguém e implica em perder futuras apurações, além de violar o direito à vida, e barrar a punição necessária, que serviria de exemplo aos demais. “Por vezes, os policiais acabam cometendo um crime de maior gravidade do que aquele individuo acabou praticando antes”, destacou o procurador do MP, Olympio de Sá Sotto Maior.
O coordenador do Centro de Estudos da Violência e Direitos Humanos da UFPR, sociólogo Pedro Bodê, acredita o apoio dos brasileiros está entre pontos os mais fortes que explicam a propagação da cultura da violência . Segundo pesquisa Datafolha, publicada em outubro do ano passado, metade da população brasileira acredita que “bandido bom é bandido morto”. Na avaliação dele, no entanto, há uma contradição grande por trás deste respaldo, que é a grande desconfiança da população na instituição policial. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em junho do ano, só 37% dos brasileiros confiam nas polícias.
A mesma pesquisa aponta que apenas 27% da população confia na Justiça. Isso pode refletir a descrença policial no sistema judiciário. O famoso “nós prendemos e eles soltam” é exposto no discurso dos agentes e usado como uma espécie de justificativa. Mas se trata, segundo dos especialistas, de um ingrediente potente para elevar a tensão no trabalho policial. Funciona como uma frustração grande, o que gera um sentimento de necessidade de justiçamento. Apesar disso, é amplamente contestado pelos especialistas.
O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior, coordenador Centro de Apoio de Proteção aos Direitos Humanos do MP, defendeu que justificar a violência policial pela falta de crença na Justiça brasileira é um argumento sem validade técnica ou prática. “Quando as pessoas fazem esse discurso de bandido bom é bandido morto, em regra, se referem à criminalidade convencional. Mas para esses a Justiça funciona, tanto que estão superlotando as delegacias e os presídios. Esse discurso não é feito para os bandidos do colarinho branco”, ressaltou.
Controle policial
As viaturas usadas pelas polícias do Paraná não tem GPS nem câmeras. Esse é um exemplo da falta de controle sobre as instituições policiais. Para Bodê, esse componente é fundamental para frear a violência policial. “As câmeras são fundamentais para a proteção dos próprios policiais”, comentou. Em Londres, por exemplo, as câmeras já são usadas há algum tempo. O próprio Rio de Janeiro já usa câmeras em viaturas. Segundo Bodê, os policiais acabam fazendo longe do alcance da viatura, mas precisam se explicar depois. “O controle acaba existindo no Rio. Ser policial é atuar em situações limites, portanto, precisam de proteção”, disse. Recentemente, a PM recebeu 200 tablets como parte do legado da Copa que pode possibilitar a filmagem e a localização das viaturas, mas, por falta de regulamentação interna, policiais não têm usado o equipamento com frequência.
Associação Nacional reconhece formação problemática
- Diego Ribeiro e Felippe Aníbal
O presidente da Associação Nacional de Praças das Polícias Militares (Anaspra), cabo da polícia catarinense Elisandro Lotin de Souza, reconheceu que a cultura da violência está arraigada em todas as instituições policiais do Brasil. Parte deste fenômeno estaria, na avaliação dele, relacionado à formação dos policiais, calcada em “humilhações, cultura belicista e ideologização militarizada”, o que acabaria direcionando os agentes a agir de forma desproporcional.
“Infelizmente, em todos os estados essa cultura permanece. Uns mais avançados tentam diminuir. Nós não fazemos segurança para a sociedade. Fazemos para o Estado. Aí surge esse antagonismo entre polícia e sociedade”, afirmou Souza.
Para ele, a defasagem do armamento usado pelos policiais e falta de treinamento continuado contribuem diretamente para a alta letalidade. Além disso, ele destaca que o modelo de segurança das instituições militares é calcado no militarismo, o que ampliaria os confrontos.
“Não se consegue trazer uma lógica comunitária a uma instituição autoritária. São coisas antagônicas. Existem cursos no Brasil, principalmente de operações especiais, em que há humilhações. Estamos formando quem desse jeito?”, destacou.
Por outro lado, Souza ponderou o quão drástico é para o policial participar de um confronto. O agente tem que avaliar a “cena” e agir de imediato. “Um juiz estuda um caso por seis, oito meses. Nós, não. Temos que decidir em menos de um segundo. É complicado”, disse. Ele mesmo já participou de vários confrontos. Em um deles, foi baleado e ficou internado por 28 dias.
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