Imagine um produto produzido a partir de organismos vivos que interagem com proteínas humanas e têm alto potencial para tratar doenças graves, como câncer, moléstias autoimunes e artrite reumatoide. Chamados de biológicos, esses medicamentos se tornaram o novo campo de batalha entre as indústrias farmacêuticas brasileiras. Num mercado que tem o governo como principal cliente, a estimativa, segundo o Sindicatos da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), é de que os biológicos movimentem cerca de 2 bilhões de dólares por ano no país.
De acordo com o Ministério da Saúde, calcula-se que os medicamentos biológicos e biossimilares – biofármacos produzidos por empresas diferentes das originadoras dos biológicos, mas com pureza e estrutura altamente similar – abranjam 51% dos gastos da pasta com medicamentos de alto custo. Essas compras representam, contudo, cerca de 4% do volume de medicamentos adquiridos para distribuição através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Diferença entre biológicos e biossimilares
Os medicamentos biológicos são moléculas produzidas por uma célula modificada através de engenharia genética. Esta célula passa por vários processos até ser produzida uma molécula com propriedades para atacar e combater alvos específicos.
Conforme a diretora do laboratório de Biofármacos em Células Animais da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora científica do Instituto Butantan, Ana Maria Moro, esses organismos passam a ser cultivados para que se transformem em produtores de proteínas. O composto passa por testes com milhares de voluntários. Se for aprovado, se torna um biofármaco. “Para gerar um biossimilar, a empresa precisa conhecer atributos críticos do produto de referência, analisar vários lotes, para ter no final um produto que tenha comportamento igual ao de referência, segurança e eficácia”, diz.
A produção do biossimilar tem origem na engenharia reversa. Cientistas criam células capazes de fabricar algo parecido com o modelo de referência. O biossimilar também precisa comprovar sua eficácia em estudos clínicos antes de ser aprovado.
A perspectiva com esse tipo de medicamento tem levado empresas a investirem em pesquisas, se dividirem em companhias para atender a área e buscado parcerias de desenvolvimento de produto (PDP) com o Ministério da Saúde. Neste tipo de iniciativa, os laboratórios privados transferem a tecnologia para um laboratório público, em troca de monopólio da venda por um período ao governo. Os preços negociados são cerca de 30% menores que os praticados no mercado internacional. Tratando-se de medicamentos que podem custar R$ 10 mil a ampola, o percentual pode fazer diferença na conta final.
“O Brasil está preocupado com isso. Temos alguns produtos registrados e sendo feitos aqui, mas isso exige ainda um processo de muita transferência de tecnologia. Quando entendermos a forma como isso é produzido, abre-se caminho para desenvolver novos produtos”, comenta o presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini.
Segundo ele, há interesse do próprio governo em criar condições no país para a produção de medicamentos biológicos, uma vez que hoje os principais exportadores são países europeus, Índia e China. “Neste momento, o Brasil precisa sair da inércia de ser um mero importador para ser um conhecedor e produtor dos biológicos”, pontua.
Mais do que ser um gerador de biotecnologia, a produção nacional buscada pelas indústrias farmacêuticas deve possibilitar também que o acesso aos medicamentos biológicos se torne melhor. É o que sustenta o mastologista Franklin Pimentel, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “A entrada de mais pessoas na disputa pode facilitar o processo, baratear o custo e ampliar acesso no Brasil e global”, define.
Pimental lembra que, atualmente, terapias com medicamentos biológicos não estão disponíveis pelo SUS a todos os pacientes que têm uma mesma patologia. Isso pode interferir diretamente no tempo de vida destas pessoas. O médico cita como exemplo o estudo conduzido por várias instituições, entre elas a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e publicado neste ano pelo Journal of Global Oncology, que mensura a perda prematura de vidas de pacientes com câncer de mama devido à falta de acesso à terapia anti-Her2 na rede pública. As terapias monoclonais mais avançadas, que passam pelos medicamentos biológicos trastuzumabe e pertuzumabe, não estão disponíveis para mulheres em estágio avançado da doença pelo SUS.
“Em 2018, vão expirar a patente de anticorpos monoclonais de faturamento anual de 68 bilhões de dólares. Se o mercado de biossimilares der uma chacoalhada nisso e diminuir 20% o preço, seria uma economia de 14 bilhões de dólares. Se for 40% do preço, seria uma economia de 28 bilhões de dólares”, calcula Pimentel. Estes recursos otimizados, assinala, podem ser tanto investidos pelo governo em outros medicamentos, como em mais pesquisas.
Outro benefício citado pelo especialista com a atenção à produção de biológicos e biossimilares no Brasil é a solidez de fornecimento e a capacitação de profissionais na área da inovação. “Isso aumenta a competição e a saída da zona de conforto”, pontua.
PDP’s buscam desenvolvimento de 88 medicamentos
O Ministério da Saúde tem atualmente 86 parcerias de desenvolvimento de produtos (PDP’s) biológicos vigentes, que envolvem 18 laboratórios públicos e 43 privados. Ao todo, está previsto o desenvolvimento de 88 medicamentos, quatro vacinas e 13 produtos para a saúde. Por meio das PDP’s, já são disponibilizados 26 medicamentos biológicos não produzidos no país, como biofármacos para tratamento oncológico, hormônio do crescimento e doença de Gaucher. A economia prevista ao final dos projetos em fase de PDP é de R$ 5,3 milhões.
A Libbs Farmacêutica, de São Paulo, é uma destas indústrias cuja parceria com o governo deve produzir seis anticorpos monoclonais biossimilares – rituximabe, bevacizumabe, palivizumabe, adalimumabe, etanercepte e trastuzumabe. São tratamentos que duram de 6 a 24 meses e possibilitam benefício ao paciente antes impossível de ser obtido somente com o uso de quimioterápicos, com perfil de toxicidade aceitável. A empresa deve transferir tecnologia para o Instituto Butantan.
A inauguração da fábrica de biotecnologia da Libbs, a Biotec, ocorrerá em novembro. O projeto tem investimentos previstos de R$ 477 milhões, oriundos do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A verba é destinada a estudos clínicos e à construção da planta biofarmacêutica. “É fundamental que o país se estabeleça nesta tecnologia dos medicamentos biossimilares. Pela primeira vez, estamos pari passu com as discussões sobre o assunto que estão acontecendo em países da Europa”, comenta a diretora de Relações Institucionais da Libbs, Márcia Bueno.
O primeiro medicamento biossimilar a ser produzido pela indústria será o rituximabe, voltado ao tratamento de linfoma não Hodgkin e outras doenças autoimunes. Toda a produção na fábrica contará com sistema single use, que atua com biorreatores com bolsas descartáveis para a produção dos anticorpos monoclonais. O modelo promove economia de 80% de água e 90% de produtos de limpeza. Depois de usadas, as bolsas esterilizadas e incineradas.
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