Se nada for feito para conter o aquecimento global, a produção de alimentos no Brasil pode tomar um prejuízo de R$ 7,4 bilhões já em 2020. A situação fica ainda pior cinqüenta anos depois: em 2070, as perdas devem quase dobrar e atingir os R$ 14 bilhões. O alerta foi feito por um estudo realizado em parceria entre a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) divulgado nesta segunda-feira (11).

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A cultura mais afetada será a soja, que pode perder até 40% na produção, o que renderia um prejuízo de R$ 7,6 bilhões até 2070. O cultivo de café deve mudar de endereço, deixando o Sudeste (o que deve gerar perdas de até 90% para os produtores de São Paulo e Minas Gerais) para ter sucesso no Sul. Entre as regiões brasileiras, o impacto maior se concentra no Nordeste, que verá uma forte redução na área das plantações de arroz, milho, feijão, algodão e girassol -- só nesses estados, 20 milhões de pessoas serão atingidas.

Mas se as notícias são ruins para a produção de alimentos, o aquecimento global não parece ter um efeito negativo sobre a cana-de-açúcar. "Apesar das mudanças climáticas, o programa do etanol parece estar garantido", explicou ao G1 o co-autor do estudo, Eduardo Delgado Assad, da Embrapa. "O biodiesel, no entanto, vai enfrentar problemas, porque a soja é atingida em cheio", diz ele.

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O trabalho foi realizado unindo os dados do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas) sobre o aquecimento global, divulgados no início de 2007, com o Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos, do Ministério da Agricultura. A equipe analisou os nove cultivos mais representativos da produção nacional: algodão, arroz, café, cana-de-açúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja. E não levou em conta os estados da Amazônia, porque eles não fazem parte do zoneamento.

Durante o levantamento, os cientistas conseguiram analisar as variações de temperatura em áreas de cerca de apenas 40 quilômetros. "Estamos falando sobre os riscos do aquecimento global para a agricultura faz tempo. A diferença é que agora somos capazes de dar o endereço e o telefone do agricultor que será afetado", afirma Assad.

Alterações previstas

O aumento provavelmente inevitável da temperatura no país, além de fazer as plantas e o solo perderem mais água por evapotranspiração, não deve ser compensado por um aumento correspondente de chuvas. É o que afirma Hilton Silveira Pinto, agrônomo do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp e co-autor do estudo.

"Os dados sobre chuva que nós obtivemos com o modelo climático são irregulares, mas há 4.000 estações da ANA [Agência Nacional de Águas] espalhadas pelo Brasil, com mais de 25 anos de dados. E a conclusão é que não há variação no total de chuva. Por isso, o que deve haver é o aumento de eventos extremos", diz o pesquisador. Trocando em miúdos: a água que cai do céu ao longo do ano como um todo não deve variar, mas é quase certo que haja mais tempestades furiosas, intercaladas por períodos cada vez mais longos de seca. "É uma tendência que a gente já está vendo nos últimos 50, 60 anos", afirma o agrônomo.

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Isso significa tanto uma possibilidade maior de falta d’água nas fases mais críticas do crescimento das plantas quanto a intensificação da aridez em regiões que já são naturalmente ressequidas, como a caatinga do Nordeste e do norte de Minas. "No caso do oeste da Bahia, por exemplo, em que há grande produção de frutas com irrigação, a situação pode ficar crítica", diz Silveira Pinto.

Adaptação e mitigação

E, se o problema vai ser água de menos, as medidas para diminuir a liberação de gás carbônico na atmosfera ou para se adaptar às temperaturas mais altas também podem ter um impacto positivo sobre os recursos hídricos, diz o pesquisador. Uma delas é o plantio direto, no qual a palhada da safra já colhida continua no solo durante a nova semeadura. "Com isso, você consegue uma economia de água de 10% e seqüestra [armazena] uns 500 kg de carbono por hectare ao ano", afirma.

Outra combinação interessante é juntar numa só mistura sistemas agroflorestais (eucalipto plantado, por exemplo), lavouras anuais e gado. O aproveitamento máximo do solo - de preferência em áreas que hoje são pastagem degradada -- também aumenta o seqüestro de carbono (via árvores), mantém o gado "sombreado" pela agrofloresta e pode até quadruplicar a produtividade da pecuária.

Uma aposta da Embrapa para a sobrevivência às mudanças climáticas são os chamados "transgênicos de segunda geração", projetados não para serem maiores, melhores e sobreviverem sem pesticidas, mas para suportarem temperaturas mais altas. O segredo está nos genes de plantas típicas dos climas mais quentes do país, como o umbu e a sirigüela. Assad acredita que esse tipo de alteração genética pode manter o café em Minas e o algodão no Nordeste. "A biodiversidade brasileira, que está sendo destruída, é a verdadeira salvação da lavoura", diz ele.

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Para realizar tudo isso, o "gigante adormecido" conta com uma posição especial. "Temos domínio da agricultura tropical. Temos o conhecimento, temos o pessoal e, mais importante, temos área suficiente para colocar tudo isso em prática", afirma Assad. "Mas precisamos de recursos. E precisamos começar já. Essas são estratégias que demoram anos para dar resultados. Já devíamos ter começado antes", diz ele

Silveira Pinto aposta que os agricultores brasileiros não vão ficar de braços cruzados diante das necessidades impostas pelas mudanças climáticas. "Para começar, todo o sistema de financiamento agrícola do Brasil já depende do zoneamento de risco climático. E em agricultura conta muito o que chamamos de exemplo do vizinho. Quem adotar essas mudanças vai ser copiado", afirma.