Um leitor foi à formatura do filho, encantou-se com toda a pompa do evento, emocionou-se quando o filho pegou o diploma de arquiteto e notou que o professor homenageado usava o pronome "nós" e não "eu" para se referir a si mesmo e uma duas vezes disse que em sua vida "houveram" muitos obstáculos. A dúvida do leitor é sobre concordância: o correto não seria "eu" estou "honrado" (ou "nós" estamos "honrados") e "houve" vários obstáculos?
Vamos começar pelo "nós" usado pelo homenageado. Aqui temos o chamado plural de modéstia ou plural cerimonioso, bastante adequado para a ocasião. Trocamos o pronome "eu" (primeira pessoa do singular) pelo pronome "nós" (primeira pessoa do plural) e fazemos a concordância do predicativo no singular, isto é, com o pronome "eu": "Nós estamos FELIZ com esta homenagem" e "Nós estamos HONRADO com esta homenagem". Nesses casos, podemos apagar o pronome, pois o verbo já traz a marca da primeira pessoa do plural.
A primeira conclusão que podemos tirar é que o professor usou adequadamente o plural: a ocasião era propícia e ele se manteve firme no uso do predicativo no singular. A tendência é mandarmos tudo para o plural: Nós estamos "honrados" com esta homenagem.
Sim: o uso de "houveram" assinala um lapso de concordância. É quase certo que o homenageado tenha interpretado "muitos obstáculos" como sujeito, mas se trata de objeto direto. E apenas o sujeito influencia a concordância verbal. Temos aqui a chamada hipercorreção (ultracorreção): o falante procura ajustar sua fala (ou texto) à norma-padrão e erra porque lança uma hipótese errada.
Tanto o uso correto do plural de modéstia quanto a concordância errada (hipercorreção) do verbo "haver" são marcas que localizam a fala e mais raramente a escrita de pessoas com boa escolaridade.