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Sempre estranhei em mim mesmo o que posso chamar, à falta de conhecimento científico adequado, de "impulso otimista". Por mais complicada que seja a situação, estou pronto a ver aquele ridículo "lado bom", que vou bus­­car nas últimas sombras do ar­­gumento, mesmo quando tu­­do conspira contra. São os truques da vida. O professor que, ca­­neta vermelha à mão, vive atento às relações lógicas da linguagem alheia e às causas e consequências inescapáveis do que se escreve, parece que relaxa em defesa própria, quando o que está em questão não é uma frase no papel, mas um momento real.

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Naturalmente, todo otimista é bem-humorado – entalado em alguma situação difícil, descobre um lado bom que ninguém vê e, no mesmo instante, sorri, como a personagem Pollya­­na dos tempos de antanho. An­­dei pensando sobre essa intrigante propriedade pessoal – até porque, com a idade avançando, a reação otimista e o lado bom das coisas vão cada vez mais vi­­rando miragem diante do tamanho da barriga, o reumatismo no braço, a insônia, a azia, as incertezas do Atlético, a irritação por quireras, as notícias do jornal – para descobrir que, afinal, meu otimismo é uma espécie de reação automática que não passa pelo cérebro.

O Sarney continua presidente do Senado? Tudo bem, mas pensem que um dia ele foi presidente da República – e por cinco anos! Não melhorou? O Lula e o Collor abraçados no mesmo pa­­lanque? Bem... – aqui eu mudo o canal, e o assunto, avestruz, desaparece da alma. A UNE, a gloriosa União Nacional dos Es­­tudantes, recebendo milhões de reais da Petrobras? Uma boa notícia – antigamente levava paulada da polícia. A gloriosa UNE em defesa do governo e condenando a CPI da Petrobras? Ouvimos certo? A juventude, afinal, tem um preço? Mas vejamos pelo lado bom: hoje a UNE representa, de fato, muito pouco; para quem é do ramo, parece que é um bom trampolim político. A vida real fará o resto. Poderia ser bem pior, como em outros tempos e outros lugares: uma legião de adolescentes marchando uniformizada pelas ruas do país em defesa de algum "duce".

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A técnica da comparação é um bom recurso do otimismo, ainda que sirva para os dois lados – achar que antes tudo era melhor ou que antes tudo era pior é uma questão de preferência. Preferên­­cia mesmo? Acabo de ler um artigo, esse sim científico, afirmando que o otimismo é uma propriedade genética que, como eu desconfiava, não tem nada a ver com o cérebro. Em suma: é um gene. O bom humor, portanto, como os olhos azuis ou o pé chato, não se escolhe – faz parte do pacote que nos identifica desde o nascimento. O que é engraçado – pessimista quando escrevo literatura, sou capaz de sorrir depois de uma topada. Seguida de um palavrão, é claro, que aliás a ciência recomenda: palavrões aliviam a dor em situações assim – topadas, UNEs, Sarneys. Também li num artigo científico, antes que me acusem de dar maus conselhos.

Cristovão Tezza é escritor.