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Cristovão Tezza

A guerra domesticada

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O espaço que o futebol ocupa no mundo continua sendo um mistério para mim. Parece que há sempre uma desproporção alucinada entre o que o jogo é em si, aqueles 90 minutos de marmanjos correndo feito crianças furiosas atrás de uma bola, e o que ele movimenta no imaginário, na logística, na produção e consumo de riquezas, no tempo e no espaço de cidades, países, multidões. Entre os fanáticos pelo esporte, conta-se este triste cronista, que dedicou o fim de semana ao puro relaxamento futebolístico, confortável na poltrona e movido a controle remoto. Triste, porque enfim reviu a equipe principal do seu querido Atlético jogar contra o Fluminense um primeiro tempo como nunca jogou o ano passado inteiro – vibrante, agressivo, rápido, variando jogadas, marcando em cima – e perder o jogo por duas tolices, enquanto lá na frente a artilharia pesada errava todos os tiros. O que me levou a filosofar que não basta o esquema perfeito – é preciso que os jogadores também o sejam, o que está em falta na praça (Basta um matador lá na frente! – berrava este torcedor).

O que me leva à metáfora da guerra. Ao assistir à abertura do jogo final da Liga dos Campeões, no sábado, Bayern contra Borussia, no estádio de Wembley, na Inglaterra, fiquei maravilhado com aquele teatro, ou videogame ao vivo, reproduzindo simetricamente uma batalha medieval, um jogo coreográfico de xadrez e de espadas, com armaduras, elmos e machados, em combates estilizados, diante do estádio lotado. Lembrava uma abertura de Olimpíada. Os alemães, que são do ramo, acertaram na ideia: o futebol é a guerra domesticada, filosofou o cronista, admirando a partida, que deu a vitória (essa justa) ao Bayern. Como já não fica bem aos europeus – e a quase todo o mundo – saírem por aí se matando ao vivo e em cores, o futebol ocupa essa sombra mental e emocional que reluta em desocupar a alma humana: o desejo de destruir o inimigo.

Mas teve mais: no jogo do Santos x Flamengo, vimos a despedida do Neymar que, há anos ocupando todas as linhas do noticiário esportivo, ameaçava se tornar uma despedida de Silvio Caldas, o célebre cantor das despedidas. Enfim a novela chega ao fim, e o palco foi o novíssimo estádio Mané Garrincha, em Brasília. Em vez de simularem uma guerra de paulistas contra cariocas, imitando os alemães, os conciliadores brasileiros cantaram o Hino Nacional no estádio lotado, enquanto rolava uma lágrima comovente pelo rosto do gênio de chuteiras. Tentei adivinhar quantos milhões estavam investidos no deslumbrante estádio "de primeiro mundo", como gostamos de dizer, afundados no terceirão – e meu lado rabugento-esquerdista se perguntava o que seria do país se toda essa fantástica energia, em projetos, dinheiro, vontade política e eficiência, se destinasse inteira às escolas e ao ensino básico do país. Coisa de torcedor frustrado.

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