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Cristovão Tezza

As glórias do meu bairro

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Mordido pela ambição e pela vaidade, eu queria ser o maior escritor do meu bairro – mas felizmente a presença de Dalton Trevisan a poucas quadras aqui de casa, na esquina da Ubaldino, tem sido para mim uma sólida barreira contra o pecado da soberba. E, pela obra e pela vida, Dalton é o vizinho ideal, sábio e discreto. Sua mera presença silenciosa de vampiro tímido valoriza a vizinhança e o Alto da Glória.

Muita gente reclama dos vizinhos, na dura convivência cotidiana. Mas, no meu tranquilo condomínio, tenho sido um privilegiado. Como se não bastasse o Dalton ali adiante, da janela às vezes contemplo Caetano Galindo dedilhando seu ukelele na varanda do prédio, num Havaí curitibano, fim de tarde, o sol se pondo atrás das ondas da selva de pedras. O leitor não sabe quem é o Caetano? Além de violonista clássico e poliglota, meu vizinho acaba de traduzir Ulisses, de James Joyce – simplesmente um dos romances fundamentais da história da literatura e um desafio absurdo para quem se mete a traduzi-lo. Para se ter uma ideia, o primeiro que tentou foi Antonio Houaiss – aquele do dicionário. Pois Caetano Galindo completou também essa proeza, que acaba de sair numa edição maravilhosa da Penguim-Companhia. É um livro para a vida toda. E Caetano – vamos dizer a verdade – é um dos maiores especialistas do mundo em James Joyce. E ele é meu vizinho. Mora ali. E é tão generoso que, em vez de me esmagar com seu avassalador saber linguístico, empinando merecidamente o nariz – a mim, que mal traduzo o português lusitano para o brasileiro –, ainda me desafia no xadrez, jogando mal, e assim me dando o gostinho de pequenas vitórias de Pirro. O único defeito do Caetano é ser coxa-branca.

Por falar em futebol, dois andares abaixo do Caetano mora um outro vizinho extraordinário, o atleticano Christian Schwartz, meu consultor plenipotenciário para assuntos de futebol e centroavante de referência de uma equipe de futebol society. E, assim como Caetano, é musicólogo de respeito – o que admiro profundamente, já que nunca tive ouvido, só orelha. Mas não é só: entre outras muitas qualidades, Christian também é tradutor de alto coturno – basta dizer que dele é a belíssima tradução de A letra escarlate, o clássico americano de Nathaniel Hawthorne (também pela Penguim-Companhia). E os dois vizinhos já trabalharam juntos, vertendo Atravessar o fogo – 310 letras de Lou Reed (Companhia das Letras), num legítimo trabalho comunitário. Claro, eu podia me exibir e ficar dizendo aqui que, nos meus tempos de professor, estava na banca do concurso da Federal que aprovou o Caetano e que o Christian foi meu aluno, mas nem vou ficar fazendo praça disso, porque vão dizer que o cronista é um provinciano que só fica aí se achando.

Melhor ficar quieto, curtindo em silêncio as glórias do meu bairro.

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