Sentei agora diante do computador para escrever a crônica da semana, vivendo o fantasma da falta de assunto que assombra de vez em quando todo escritor, quando o próprio computador se oferece como tema. Não exatamente ele, mas o correio eletrônico, o popular e-mail. Sim, começo o dia respondendo aos e-mails, que são invariavelmente muitos. Viciado na comunicação à antiga passei a vida escrevendo cartas, o que é outro assunto , me sinto culpado se deixo alguma mensagem esquecida. Já aconteceu algumas vezes; por exemplo, há pouco tempo recebi o e-mail de um leitor furioso declarando expressamente que estava doando meus livros para a biblioteca pública (depois de ponderar se eles mereceriam ir diretamente para o lixo, mas passei suando por esse teste mortal) e que nunca mais leria nada deste escritor arrogante que não responde e-mails. "Fui, e não volto mais!" gritou ele. Fiquei aflito, pensei em me desculpar, mas também essa resposta acabou ficando para trás. Perdi um leitor.
O problema é que o e-mail não é simplesmente o substituto da antiga carta. Houve uma vou usar uma expressão da moda "mudança de paradigma". O e-mail se transformou numa invasão selvagem de uma horda publicitária avassaladora, e percebi desde logo que, se eu não racionalizasse o seu uso, morreria esmagado por milhões de mensagens de vento a arrancar sem piedade, sangrentas e etéreas, cada minuto da minha vida. São duas coisas que se cruzaram nesse mundo transfigurado: a ausência total de intimidade, que deixou de ser um valor a ser preservado (o mundo inteiro transformou-se num gigantesco Big Brother, estamos todos escancarados na rua, vivendo entre paredes de vidro), e a mais absoluta facilidade de comunicação, uma comunicação cuja velocidade e ubiquidade jamais foi sequer sonhada pelos profetas do futuro.
Assim, na luta pela sobrevivência, tomei algumas medidas radicais. Começo apagando toda publicidade, sem sequer abrir. Fiz o cálculo: se eu perder um minuto lendo cada e-mail publicitário, meu dia já vai começar meia hora mais curto, em média. Em segundo lugar, deleto sem piedade toda mensagem coletiva, do tipo undisclosed recipient: o maravilhoso pôr-do-sol da Indonésia embalado em um Power Point com música de fazer chorar, a chance de ganhar 4.500 reais por mês sem fazer esforço, uma seleção de piadas de louras burras, um abaixo-assinado para salvar um ornitorrinco a perigo em algum lugar da Austrália, uma denúncia de outra roubalheira nacional, sem falar das infinitas ofertas de vírus. Feita essa limpeza um trabalho interminável que avança ao longo do dia , sobram enfim as mensagens pessoais, entre indivíduos. Isso sim é comunicação. Mas talvez eu seja apenas um saudosista imaginando que a tela do computador é ainda aquela velha folha de papel em branco que eu punha cuidadosamente na máquina de escrever para conversar com alguém.
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