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 | Ilustração: Benett
| Foto: Ilustração: Benett

Nas minhas andanças de camelô literário tenho conhecido pessoalmente alguns escritores, sob o álibi das mesas-redondas de feiras do livro e eventos culturais. É um contato que prezo muito, especialmente por ter passado a vida longe do eixo Rio-São Paulo. Tanto pior se somos curitibanos, com a maldita fama de distantes e arredios. Nos meus anos de formação, esmagado pela estranha timidez deste, digamos, extrovertido que vos fala, sempre me faltou a necessária cara de pau para tomar a iniciativa de bater na porta dos colegas com um livro na mão.

Lembro de um momento de epifania que me marcou para sempre. Em 1989, com o romance Juliano Pavollini recém-lançado, me enchi de coragem, saí de casa e andei as quatro quadras que ainda hoje me separam da célebre esquina da Ubaldino onde vive o Vampiro de Curitiba. Queria entregar um exemplar autografado a Dalton Trevisan, com quem, por acaso, conversei apenas três ou quatro vezes na vida, nunca além de dois minutos por encontro. A casa, como sempre, estava mais que fechada, lacrada – uma janela emparedada, outras cerradas com venezianas e cortinas, e diante da velha grade do portão a breve varanda tinha um ar igualmente abandonado, folhas secas no chão. O céu era cinza. Sem campainha visível, bati palmas, uma, duas, três vezes. Silêncio.

Pensei em arremessar pelo vão da grade o envelope com a minha oferta, deixando-o no chão diante da porta. De madrugada, certamente ela se abriria com um rangido enferrujado e um braço magro recolheria rapidamente o objeto. Súbito, o sentimento epifânico: com um calor de vergonha queimando o rosto, me perguntei: Afinal, o que eu estou fazendo aqui, ridículo, com esse livro na mão? Sem olhar para trás, voltei para casa, e minha decisão tornou-se uma espécie de norte, que, oculto no último estrato da alma, é uma marca da cidade: deixar os outros em paz, e, sem ser convidado, nunca aporrinhar ninguém.

É incrível, mas, em pessoa, escritores são apenas pessoas, se me permitem a tautologia. A eventual convivência se dá menos por avaliações estéticas e mais por simpatia e afinidades de temperamento, como acontece com todo mundo. Conversam mais pela escolha da cerveja que pela paixão por Musil. Assim, linha a linha, mantemos com os escritores que admiramos muito mais conversas imaginárias do que reais – narradores, os que de fato falam no texto, não ocupam lugar no espaço. São seres misteriosamente imateriais.

Lembrei dessa anedota pessoal ao sentir que gostaria de ter conhecido João Ubaldo Ribeiro. Jamais o encontrei, mas, lendo sua obra, tenho a impressão recorrente de que havia trocado com ele conversas imaginárias, discutido o Brasil, a literatura e a vida. Seu Viva o povo brasileiro é o último grande romance brasileiro do século 20, fechando um ciclo em que a nossa literatura queria conversar com o país e ainda lutava por entendê-lo.

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