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Participando de uma mesa da Bienal do Livro de Curitiba, me ocorreu um detalhe que talvez não seja tão óbvio quanto possa parecer – a crença do público de que os escritores são seres que, afinal, sabem o que fazem. De outra forma não se explicaria a afluência de espectadores para nos ouvir, atenta e cordialmente, o que sempre me surpreende, já que o senso comum diz que o brasileiro não lê e não se interessa por literatura.

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E o que o público quer ouvir? Em geral, há dois grupos de questões – as relacionadas sobre o ato de escrever, inspiração e trabalho, os detalhes de como se começa um livro e se constituem os personagens; e as vinculadas a aspectos práticos da vida de quem escreve, como direitos autorais, relação com as editoras, o espaço da livraria, a reação aos críticos e tópicos afins. Converso com facilidade sobre esses últimos temas, já que tenho uma larga experiência na área. Mas sempre que tento explicar "como escrevo um romance" sinto um mal-estar de quem afinal está inventando histórias da carochinha só para preencher um vazio. Eu não sei como escrevo um romance. E acompanhando os colegas que falam a respeito, descubro que também eles não devem saber, porque nunca deparei com duas explicações semelhantes. Se chamassem dois engenheiros para explicar como construir um prédio e cada um dissesse uma coisa, suponho que um deles teria de ter o registro cassado. O que mostra que escrever é uma profissão desqualificada também por ser incapaz de se submeter a um mínimo controle de qualidade.

O que me leva a outro mistério: por que diabos esse ofício bizarro exerce tamanha atração simbólica sobre as pessoas? O ex-presidente Collor, que afinal já tem garantida uma presença, digamos, imortal na história brasileira, fez questão de disputar uma eleição na Academia de Letras de Alagoas, provavelmente com o único intuito de morrer com o título de escritor pregado na testa. O senador Sarney, além de sua obra notória no Maranhão e no Brasil, já garantiu uma cadeira eterna na Academia Brasileira de Letras, bem mais tranquila que a do Senado. Tudo bem: o beletrismo ornamental tem larga presença na nossa cultura. Mas não são só os figurões, por assim dizer, que anseiam por essa glória colateral. Um número crescente de jovens sinceros revela a intenção de mergulhar na literatura, mesmo sabendo que a chance de eles viverem disso é estatisticamente nula. O que nos dá, talvez, a chave para entender o seu mistério – o fato de que o desejo verdadeiro de literatura nasce antes como uma atitude não pragmática, uma resposta avulsa e solitária a um mundo hostil, um impulso ético, que propriamente por um cálculo profissional ou de sobrevivência.

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Mas temo estar caindo apenas na chave de ouro de todo escritor quando quer escapar do emaranhado em que se mete ao escrever a primeira linha.

Cristovão Tezza é escritor.