Dois episódios recentes do meu dia a dia martelaram minha cabeça. Fui comprar pão e pedi meia dúzia. Insegura, a jovem funcionária cochichou à colega: quanto é meia dúzia? Em outro momento, pedi que separassem dois terços de uma peça de queijo, o que provocou um rebuliço atrás do balcão até que eu explicasse às caras-pálidas, com a mão imitando a faca, onde deveria ser cortada a mozarela para eu ficar com os dois terços. Sim, são pequenos acidentes de um país com os nossos indicadores sociais, e seria uma covardia despejar nas bravas meninas trabalhadoras que carregam as padarias nas costas uma catilinária sobre a ignorância logo eu, que sempre fui mal em matemática, passei raspando no ginásio, jamais consegui extrair uma raiz quadrada e até hoje tropeço numa regra básica de três. Mas, enfim, desconhecer meia dúzia e dois terços é, de fato, um sintoma.
E lá em cima da pirâmide, como dizem os sociólogos, como andam as coisas? Abro os jornais e vou me espantando. Digamos que Aristóteles estivesse certo e que o homem faz apenas aquilo que é justo e certo; só a ignorância, e não a maldade, leva-o ao erro. Bem, as amostras de "erro" são tão abundantes que não sabemos por onde começar. Falta jornal para dar conta de tudo. Começamos no bairro, vamos à cidade, chegamos ao estado, avançamos pelo país e dá para dar volta à Terra com a extensão inexaurível das falcatruas. Elas não têm fim. No círculo do poder, há um rodízio de corruptos, diante de uma presidente firme que, embora inspire confiança como poucos chefes de Estado da nossa história, parece não vencer a enxurrada.
Pode-se dizer que a impressão de que agora há mais roubo do que antigamente se deve à liberdade de imprensa; durante a ditadura, até a informação sobre um surto de meningite foi ocultada da população (o que provocou a morte de mais gente, por ignorância). Mas hoje há símbolos poderosos demais em circulação: por que diabos um diretor da Casa da Moeda talvez a instituição moralmente mais sólida de que se tem notícia, justo por jamais ser notícia tem de ter uma conta bancária num paraíso fiscal? Leio que um ministro do Supremo teve de se explicar por causa de uma bela Mata-Hari com infiltração na máquina de Estado, alguém que comprovadamente recebia e-mails do Chefe de Gabinete da Presidência, de quem, parece, obtinha favores; sim, todos podem ser vítimas de calúnia, e esperamos que seja só isso, mas a simples relação osmótica que vai teimosamente ligando uma coisa com outra é desconcertante para o cidadão.
Tudo bem: talvez seja só a velha e simples corrupção, o que tem cura. Mas quando leio que um certo pastor, por sinal pai da intrigante moça, tem poderes proféticos, graças aos quais angariou em Brasília uma legião de políticos mentecaptos que fazem fila para ouvir seus vaticínios, eu diria que, no Brasil, apenas não saber o que é meia dúzia chega a ser uma dádiva.
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