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Cristovão Tezza

Solidão lunar

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Nunca fui um leitor fiel de ficção científica, mas tive um ponto de partida respeitável, que foram os livros de Júlio Verne, cuja obra devorei com devoção. Estava ali a antevisão tecnológica – submarinos, aviões e viagens à Lua, tudo em pleno século 19 –, mas não o elemento fantástico. Júlio Verne era, de fato, um autor iluminista, que escrevia cada linha com o compasso da realidade e da razão. Depois, assumi sem pensar o preconceito contra o gênero; literatura, para mim, era Dostoiévski, Graciliano Ramos, Drummond, Thomas Mann – mergulhos torturantes nos mistérios da condição humana, e não aventuras extraterrestres de histórias em quadrinhos e filmes de segunda classe. A ficção científica que realmente me interessava era a do Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell – livros que são, convenhamos, outra coisa.

Bem mais tarde, menos por gosto e mais por um espírito escolar de conhecer o gênero, e quem sabe, para falar a meu favor, um certo desejo de abrir fronteiras na cabeça, comecei a ler alguns clássicos, como H. G. Wells e Isaac Asimov. Deste, gostei especialmente de Eu, robô. Achei curiosas as "três leis da robótica", em torno da ideia de que nenhum robô pode agir contra o ser humano, o que, no livro, levava a paradoxos fascinantes. Mas eram leituras de gabinete, sem paixão. Até que, por indicação de uma amiga, li Solaris, de Stanislaw Lem, e Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury. O primeiro é uma impressionante fantasia filosófica sobre um "planeta oceano". Mas o que bateu mesmo na minha alma foi Bradbury, um prosador com um olhar agudo para os descompassos sutis da vida cotidiana, aos quais ele dá um relevo extraordinário justamente pelas situações fantásticas, inusitadas, em outro tempo e espaço, o que amplia a nossa invencível fragilidade.

Não tenho mais minhas Crônicas Marcianas – emprestei a alguém, que, é claro, não me devolveu; agora devem estar circulando pelo espaço sideral, espero que passando de mão em mão, capa suada, orelhas de burro, anotações a lápis nas margens. Mas vou contar de memória uma das histórias do livro. A população da Lua, por um desastre qualquer, teve de ser totalmente evacuada. Um homem perde o último foguete de volta e se vê, absolutamente só, naquele gigantesco deserto de casas, cidades e estradas soturnas. De repente, toca um telefone: a esperança de um contato humano. Ele atende e é uma mulher! Uma bela voz de mulher! Ela está no outro lado da Lua. Louco de alegria, pega um dos carrões abandonados e se lança numa viagem de horas e horas e horas numa autopista vazia e sem fim. Imagine-se tudo que ele estaria pensando naquela situação limite plena de esperança. E ele, chega, enfim, ao seu destino.

Não posso contar o que aconteceu. Leiam Crônicas Marcianas e vocês terão uma amostra do quanto perdemos com a morte de Ray Bradbury, na semana passada.

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