Excelente amazona, a moça de Campo Largo cavalgava em elegantes selins de banda, botas de camurça, chapéus de aba larga com enfeites de fitas e flores. Ao ficar noiva, completou seu enxoval com um belo cavalo marchador. Tradição na família, casou com um mancebo de Ponta Grossa. Cerimônia na Capela de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá, festa em São Luiz do Purunã: o padre vinha na frente, na retaguarda um bando de alegres e barulhentos cavaleiros de Irati, Palmeira, Castro e Tibagi.
Muito antes de os noivos pregarem os proclamas do casório, o povo de Curitiba já comentava nas bodegas e armazéns: “Campo Largo sapecou Ponta Grossa!”. Tinha razão de ser o diz-que-diz-que. Onde a bruma faz a curva, a ave de arribação pergunta ao bicho do Paraná: “O que vem a ser essa sapecada?” Aos forasteiros é preciso contar o início do romance entre a moça de Campo Largo e o guapo de Ponta Grossa. O capítulo de como Campo Largo sapecou Ponta Grossa.
Formosa e prendada, se havia duas coisas a que a moça de Campo Largo não resistia era peão bonito e pinhão viçoso. Numa certa tarde de inverno, ela ficou com desejo de comer pinhão de sapecada. Apanhou uma cesta e reuniu a piazada, em início das férias de julho: “Vamos ao Capão da Limeira juntar pinhão?”
Se havia duas coisas a que a moça de Campo Largo não resistia era peão bonito e pinhão viçoso
De tão alvoroçados, meninos e meninas até cambotes viravam no capim. Garraram um trilho e, no que vararam a sanga, Campo Largo notou um cavaleiro a voltear o campo. Assim, de longe, não reconheceu o ginete, mas tinha quase certeza de que, pelo porte do alazão, o cavaleiro era mais formidável ainda.
Tremeu os joelhos, o coração bateu acelerado. Entrou no capão e, na algaravia da meninada, começou a juntada. Já estavam com pinhão em meia cesta quando ouviram um barulho. O pulsar da moça acelerou-se. Seria o alazão que chegava? Qual nada, era somente uma novilha que adentrava ao mato.
A moça de Campo Largo dirigiu-se, então, como quem não quer nada, até a beira do capão. Com a mão na testa firmando a vista, viu que o cavaleiro do garboso alazão volteava ainda longe, talvez nem viesse até ali. Uma ideia ocorreu-lhe, de súbito: “Ei, piazada! É hora de preparar a sapecada!”
No abrir das pinhas, preparar o aceiro e juntar as grimpas, em pouco tempo o fogo crepitava. Com o rolo de fumaça subindo além do capão, era justo o que a prenda de Campo Largo planejava. Se onde há fumaça há fogo, só assim o peão viria acudir.
Quando os pinhões começaram a estalar, desmancharam a fogueira com um galho e apagaram o fogo. Com pedaços de pau, a gurizada macetava as sementes tostadas, comendo-as rapidamente. Descascar não tem segredo, para quem nasceu de serra acima. Campo Largo nem mastigava direito, calculando o tempo que levaria para o alazão chegar.
De repente, um barulho de cascos batendo foi se aproximando, já se distinguia um vulto vestindo capa de campanha, chapéu de abas largas. As pernas fraquejaram quando Campo Largo levantou os olhos e viu o garboso alazão em sua frente:
“Fazendo uma sapecada, moça?”
“Decerto!”
“Vi de longe a fumaceira, podia ser algum fogo no capão. Depois da geada é perigoso. Não precisa olhar assustada pra mim, moça. Muito prazer, sou de Ponta Grossa! E você?”
“Sou de Campo Largo!” “Não sobrou nada pra mim?”
“Só mesmo catando mais um pouco!”
“Que não seja por isso, pois lhe acompanho a recolher mais uma leva!”
Campo Largo disfarçou a satisfação, passou a mão na cesta e ordenou à gurizada: “Vocês ficam aqui tratando do alazão! Eu e mais o moço vamos ao capão adiante apurar uma nova sapecada!”
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