A melhor lição que podemos tirar do desatino inglês perante a União Europeia (UE) é a tradição britânica de que a bebida no pub deve ter hora para acabar e, mesmo com a fleuma de sempre, depois do terceiro copo tudo aquilo que desejamos que aconteça pode acontecer! E o pior: no caso de a Escócia não se separar do Reino Unido, seria sensato deixar aquela ilha isolada do resto do mundo com tanto uísque à disposição?
“Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe você verá para frente”. dizia Winston Churchill. Em 1874 o jornal A Nação, do Rio de Janeiro, contou que 46 imigrantes ingleses abandonaram a Colônia Assunguy (ou Assungui, ou ainda Assunguy), núcleo migratório situado no atual município de Cerro Azul, na Região Metropolitana de Curitiba. Comunidade europeia sob a tutela da corte imperial, os primeiros moradores de Assunguy eram alemães, ingleses, franceses, suíços e italianos. Cerca de 1,8 mil habitantes vivendo isolados e ao Deus dará, sob as graças da princesa Isabel.
Segundo A Nação, “sabe-se que 46 immigrantes inglezes, abandonando os prazos de terras que, há cerca de um anno, lhes haviam sido distribuidos na colonia de Assunguy, manifestaram ao Sr. Consul de S.M. Britanica a intenção de repatriar-se”.
Depois do terceiro copo, tudo aquilo que desejamos que aconteça pode acontecer!
“Provavelmente” – começa o jornal com certa diplomacia – “antes de ter recolhido as necessarias informações sobre o modo pelo qual o governo imperial se tem desempenhado das promessas com que procura attrahir a emigração, e sobre o caracter e habitos desses indivíduos, o Sr. Lennon Hunt entendeu opportuno convocar por annuncio os seus compatriotas residentes na côrte, para o fim, declarado nesse documento official, de evitar que os 46 subditos inglezes recem-vindos de Assunguy morressem de fome nas ruas do Rio de Janeiro”.
Propondo que as queixas – “fundadas ou não” – fossem ouvidas pelo governo imperial, a matéria sugere que os infelizes desertores sejam persuadidos “a não abandonarem um paiz que tão hospitaleiramente os recebeu”. Conforme a publicação, um rumor se espalhou na colônia paranaense, a partir do boato que anunciava estar ancorado no Rio de Janeiro um navio destinado ao transporte gratuito de colonos ingleses que desejassem ser repatriados, “com alguns benefícios”.
A Nação sugere ainda que a deserção estaria relacionada à publicação de panfletos “apaixonados” e “outros escritos” na imprensa europeia, com a cumplicidade do consulado, para “desviar do Brasil a immigração ingleza para attrahil-a ás colônias britanicas”. Ajuda humanitária aos 46 imigrantes não seria nenhum problema para o governo imperial, na visão do jornal: “Num paiz em que 40,000 immigrantes vivem felizes no Rio Grande do Sul, 20,000 em Santa-Catharina, e 6,000 no Espírito Santo, não póde faltar trabalho na vasta extensão do Imperio para 46 inglezes a quem se deixa a liberdade de escolher qualquer de nossas colonias para ahi fundar residencia”.
Por fim, o diário da Corte deixa de lado a diplomacia e baixa o sarrafo nos 46 “turbulentos e ociosos” desertores ingleses: “A vagabundagem, sendo um crime pela legislação do Imperio, não poderia encontrar um certo modo de complicidade no governo do paiz. Nós temos caridade official organisada, é certo; mas ella é submetida á regras, á disciplina, e não póde ser insdictamente [sic] applicada a homens vigorosos que não têm pão porque recusam trabalho”.
Para um povo afeito às frases espirituosas, tanto quanto preparar aperitivos para o espírito, apenas um dos tantos ditos dos súditos de Shakespeare talvez explique o que levou a irredutível Albion a abandonar a União Europeia: “Você pode encontrar o pior inimigo ou o melhor amigo dentro de si”.
Quanto aos 46 desertores ingleses, não há termos de comparação entre a pinga de Morretes e o uísque da Escócia. Entre um e outro, mais sensato seria ficar com os dois.
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