Quantas vezes você deixou sua assinatura ou registros em algum livro de visitas aparentemente condenado ao lixo da história?

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Digamos, o livro de visitas do Palácio Iguaçu no dia da posse do ex-governador Leon Peres. Não que sua presença no Palácio naquela solenidade configure algum envolvimento nos episódios que se seguiram, até a cassação de Leon Peres por corrupção. Acima de qualquer suspeita, o livro de visitas simplesmente aponta que você foi testemunha da história.

Onde, por exemplo, você estava no dia 31 de março de 1964?

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Mussa lembrava perfeitamente do que fora tratar no QG do II Exército. Só não lembrava que tinha deixado sua assinatura no livro de visitas

Por um acaso naquela data você tinha algum assunto para tratar no Palácio Iguaçu e, por mera formalidade, deixou na portaria seu nome legível, assinatura e RG, com horário e data? Se responder “afirmativo”, e pelo jargão usado, podemos imaginar que você estava conspirando ao lado do então governador Ney Braga. Mas, convicções à parte, um fato é inconteste: sua assinatura em Palácio naquele 31 de março revela que você raspou os rumos da história.

O falecido jornalista Mussa José Assis lembrava perfeitamente onde estivera na noite de 31 de março de 1964. E, mesmo se não lembrasse, 40 anos depois, na redação do jornal O Estado do Paraná, ele recebeu um telefonema lembrando. Naquela noite, Mussa José Assis, 21 anos, então secretário de Redação da edição paulista do jornal Última Hora, estava no Quartel-General do II Exército, na Conselheiro Crispiniano, a duas quadras da Avenida São João, em São Paulo.

Quem contatou Mussa foi um escritor que estava tomando depoimentos de personagens que vivenciaram os acontecimentos do golpe militar. Pesquisando no livro de visitas da portaria do Quartel-General do II Exército, o escritor constatou: Mussa José Assis esteve lá, com assinatura, nome legível, número do RG, data e horário.

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Mussa lembrava perfeitamente do que fora tratar no QG do II Exército, comandado pelo general Amaury Kruel. Só não lembrava que tinha deixado sua assinatura no livro de visitas. Mas isso não importa, porque os livros de visitas não importam.

O que Mussa lembrava bem é que aquela fora uma noite movimentada. Especialmente na redação do jornal Última Hora, sob a batuta do governo de Jango Goulart e do célebre jornalista Samuel Wainer. Estava entrevistando um deputado do PDC baiano, aliado de Jango e, coincidentemente, compadre e vizinho do general Amaury Kruel. O poderoso líder militar que, naquele momento, estava reunido com seu Estado-Maior, decidindo a posição do II Exército no golpe.

Repórter rápido no gatilho, Mussa viu no deputado baiano a chave para abrir as portas do QG. O deputado baiano não só abriu os pesados portões do II Exército, como também fez o general Kruel interromper a tensa reunião para um amistoso cafezinho com o compadre e o jovem jornalista que o escoltava. As duas visitas foram recebidas com toda a fidalguia, mas não sem antes a rotineira identificação no livro de visitas.

Antes de ser servido o cafezinho, o deputado foi ao que interessava ao jornalista: “General, vim aqui saber sua posição”. O general foi franco: “A situação é insuportável. Jango também é meu amigo e compadre, mas ele nomeou para comandar a Marinha um almirante da reserva decrépito e veado. E o dólar já passou dos 2 mil cruzeiros. Mandei avisar ao Jango que se ele não demitir esse almirante eu vou aderir aos revolucionários”.

Jango não demitiu o almirante e o jovem repórter voltou feito um raio à redação do Última Hora, de onde telefonou para Samuel Wainer, contando a história real: “Kruel mandou mobilizar as tropas do II Exército para apoiar o golpe!”. Imediatamente Wainer telefonou a Jango Goulart, comunicando a decisão de Kruel.

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O presidente Jango Goulart deixou o país e Mussa José Assis deixou a assinatura com o nome legível na portaria do quartel-general.