| Foto: SSPL/Getty Images

Charles Dodgson era um professor dedicado, clérigo irrepreensível, solteirão convicto, matemático respeitadíssimo, fotógrafo brilhante (e muito questionado), desenhista de mão cheia, contador de histórias e, de tão arredio a qualquer exibição pessoal, como escritor escolheu o nome de Lewis Carroll para assinar uma das três obras mais citadas no mundo ocidental, juntamente à Bíblia e a Shakespeare: Alice no País das Maravilhas.

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Como se não bastasse, esse inglês era inventor de mil e uma utilidades, conta-nos Morton N. Cohen na biografia que escreveu de Lewis Carroll. Em 1888, ele arrumou um jeito de escrever no escuro, que provavelmente levou-o à invenção do nictógrafo, para tomar notas à noite embaixo das cobertas, sem a incômoda necessidade de ter de levantar e acender uma lâmpada. A invenção funcionou muito bem nas noites brumosas da Universidade de Oxford, escreveu numa de suas cartas o próprio Charles: “Tudo o que eu preciso fazer, se acordar e lembrar de alguma coisa que gostaria de registrar, é levantar o travesseiro e pegar um pequeno bloco de notas, contendo o meu nictógrafo, escrever algumas linhas, ou até páginas, sem nem sequer precisar colocar as mãos para fora das cobertas, recolocar o bloco no lugar e voltar a dormir”.

Política e economicamente, este país das maravilhas está atrasado ou quebrado?

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O reverendo Charles Lutwidge Dodgson inventou ainda um jogo de bilhar circular; uma regra para descobrir em que dia da semana cai uma determinada data; um meio de justificar a margem direita em textos datilografados; um mecanismo de direção para velocípedes; regras eliminatórias para torneios de tênis; regras para ganhar apostas; um substituto para a goma de fechar envelopes; um dispositivo para ajudar um inválido a ler um livro na cama; um aparelho para tocar música ao contrário; e, entre outras coleções de engenhocas mecânicas e tecnológicas, em 1857 descreveu um meio de catalogar informações que antecipava os computadores modernos.

O escritor Lewis Carroll não usava óculos. Escrevia quase sempre em pé, em sua escrivaninha alta, e falava alto consigo mesmo: “Falar é um excelente método para superar dificuldades” – deixou escrito: “Quando deparo com algum obstáculo que me deixe inteiramente confuso, considero capital explicá-lo em voz alta, mesmo quando estou sozinho. É tão mais fácil esclarecer as coisas para si mesmo! Além disso, somos sempre pacientes conosco: nunca ficamos irritados com a nossa própria burrice”.

Editor, redator e ilustrador de sua própria revista – The Rectory Umbrella – em 1850, aos 18 anos, Charles Dodgson se interessava principalmente pelos fusos horários, assunto a que se dedicou a vida toda, chegando a levantar a seguinte questão: “Onde começa o dia?” Como o Meridiano de Greenwich foi estabelecido por Sir George Biddell Airy em 1851, a confusão em torno da hora do dia e do dia da semana em várias localidades do mundo perturbava a mente disciplinada daquele jovem. Tanto o incomodava que alguns anos mais tarde escreveu um ensaio transcendental sobre o tema: “Dois relógios: um está parado, o outro atrasa um minuto por dia”. Dodgson/Carroll pergunta e responde qual é o melhor: “O relógio que atrasa um minuto por dia está certo apenas uma vez a cada dois anos, mas o relógio quebrado está certo duas vezes por dia”.

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Transcendendo na história, no Brasil de hoje o questionamento dos dois relógios é o que poderíamos chamar de uma “metáfora analógica”: política e economicamente, este país das maravilhas está atrasado ou quebrado?

“Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!” – nos responderia o Coelho Branco, tirando o relógio de bolso do colete, antes de se jogar com Alice na toca escura em que nos metemos.