Os protestos dos "indignados" da Europa e do movimento Ocupe Wall Street, nos Estados Unidos, colocaram a desigualdade social na agenda internacional. No Brasil, um dos países com maior disparidade de renda, o tema também está na ordem do dia. Mas, do mesmo modo que se discute o assunto mais abertamente, uma reação em contrário trabalha silenciosamente no sentido de naturalizar as desigualdades o que dificulta o enfrentamento do problema. E isso se verifica por meio do raciocínio de que, se na natureza há diferenças, a desigualdade é natural. E, se é natural, consequentemente não pode ou não deveria ser superada.
Porém, o argumento da naturalidade da desigualdade é equivocado. Não considera uma sutileza: "diferença" não é o mesmo que "desigualdade", embora os dois termos até sejam usados como sinônimos.
Uma boa distinção entre os dois conceitos é dada pelo historiador brasileiro José DAssunção Barros. Algo é "diferente" quando sua essência se difere da essência do outro seja no todo ou em algum aspecto particular. A "desigualdade", no entanto, não se refere a essências distintas, mas sim a uma circunstância que privilegia algo ou alguém em relação ao outro independentemente de os dois serem iguais ou diferentes.
A diferença pode ser tanto nata e natural como cultural. Já a desigualdade as circunstâncias que privilegiam alguns é construída socialmente. E, muitas vezes, implica a ideia de injustiça.
A própria natureza pode ajudar a esclarecer os conceitos e mostrar como a desigualdade não é natural, mas social. Os seres vivos têm códigos genéticos (a essência) diferentes entre si. A diversidade genética coloca as espécies em posições distintas no meio ambiente para competirem entre si pela vida. Alguns animais são caçadores e outros, a caça. Isso é natural. E ninguém discute que haja injustiça na natureza.
Mas, em cada espécie, há compartilhamento de uma mesma genética. Um leão é igual a outro leão, bem como todos os homens são essencialmente iguais entre si. Ou seja, nascem com características comuns que lhes asseguram condições de lutar pela sobrevivência na natureza. A regra natural, portanto, é a igualdade de atributos numa mesma espécie. Os indivíduos largam dispondo de uma mesma genética na corrida pela vida.
Obviamente, há diferenças dos humanos entre si não no todo, mas em aspectos particulares (força, altura, inteligência, sexo). Não é desejável que sejam eliminadas. Essas diferenças levam os homens a resultados diversos em uma disputa justa, em igualdade de condições. Privilégios nas condições de largada levam a vidas igualmente diversas. Mas esses são fruto da sociedade. Não se pode dizer que haja uma desigualdade natural intrínsica. Compreender isso é dar um importante passo para enfrentar a injustiça social.