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Fernando Martins

Aniversário de Curitiba ou da Câmara?

Os curitibanos comemoram amanhã os 319 anos da capital paranaense. Na verdade, porém, o aniversário é da Câmara Municipal e não de Curitiba – fato histórico pouco conhecido que revela um traço marcante do país: a preponderância do Estado sobre a sociedade.

Em 29 de março de 1693 foram eleitos os primeiros vereadores e juízes da cidade, com autoridade para editar normas de conduta e julgar os infratores da lei. A instituição da Câmara, que à época tinha atribuições legislativas e judiciárias, tornou presente o Estado colonial português em um povoado que já existia bem antes disso. Ao menos 39 anos antes.

Há registros de que, em um dia incerto de 1654, começou a ser erguida na atual Praça Tiradentes a primeira capela no entorno do qual a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais cresceu. A cidade tem, portanto, 358 e não 319 anos.

A respeitada Enciclopédia Britânica, em sua versão em inglês na internet, reconhece 1654 como o ano de fundação de Curitiba. Por certo que, para definir a data, os autores do verbete seguiram as criteriosas normas de verificação histórica pela qual a publicação é conhecida.

Mas os vereadores curitibanos capturaram para si o aniversário da cidade quando oficializaram no século passado, por lei municipal, o 29 de março como o dia para celebrar a fundação da cidade. O Estado, representado pela Câmara, passou por cima da sociedade. Ignorou solenemente a existência de uma comunidade anterior à autoridade constituída. E reescreveu a história em seu favor.

Costuma-se dizer que no Brasil o Estado veio antes da sociedade civil. O país surgiu como um grande negócio ultramarino de Portugal. Daí vêm alguns males da nação, como a prevalência das instituições estatais e de seus agentes sobre o cidadão e a atração que os governos exercem nas pessoas – uma espécie de "estatolatria".

Em Curitiba foi diferente. Garimpeiros de ouro, em busca de riquezas no Primeiro Planalto, formaram uma vila em meados do século 17. A Câmara veio para conter as ameaças de desordem quase quatro décadas depois.

Quando se comemora o 29 de março, portanto, inverte-se a lógica histórica. Coloca-se o Estado antes da sociedade. Impõe-se um modelo brasileiro que a capital do Paraná não reproduziu em seus primórdios. O aniversário da cidade carrega ainda um recado tácito: o governo está acima das pessoas.

Tem sido assim na história do Brasil. Mas os tempos hoje são outros. Talvez seja a hora de se repensar a data comemorativa da fundação da cidade para resgatar a verdadeira origem de Curitiba – muito embora não se saiba exatamente qual foi o dia em que se assentou a primeira pedra da antiga Matriz. Seria ainda um gesto simbólico em favor da cidadania.

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