O Brasil completa hoje 189 anos do Grito do Ipiranga sem que se tenha concluído o projeto de nação concebido por um dos principais articuladores da emancipação, José Bonifácio (1763-1838). Vencidas pela elite escravocrata da época, as ideias do Patriarca da Independência continuam atuais, quase dois séculos depois. E, por isso mesmo, revelam a dificuldade nacional de superar o atraso.
Político inspirado no ideário iluminista, José Bonifácio via na imensa desigualdade social, marcada pela escravidão, um entrave à unidade nacional e ao desenvolvimento.
Para Bonifácio, a escravidão não brutalizava apenas o escravo, mas também o senhor branco. E os colocava em campos opostos, num potencial risco de dilaceração nacional. "Tema o Brasil que se formem novos Palmares de negros!", alertou em certa ocasião. Da mesma forma, dizia ele, a exploração de mão de obra negra contribuía para que houvesse uma acomodação na busca do aprimoramento de técnicas produtivas.
Diante de tudo isso, José Bonifácio vaticinava: era preciso emancipar os negros, libertá-los, equipará-los juridicamente aos brancos e incluí-los na sociedade. Ele ainda apostava na miscigenação para criar a identidade brasileira e solidificar a amálgama nacional.
Somada à igualdade legal, Bonifácio também via a necessidade de prover igualdade cultural aos cidadãos de todas as cores. Era preciso, portanto, instituir um sistema público de educação. E também se fazia necessário garantir o sustento de quem estava à margem da sociedade, o que poderia ser atingido com a distribuição de terras ociosas que haviam sido desmatadas e abandonadas pelos grandes proprietários uma prática ambiental que ele criticava.
A nação concebida por José Bonifácio não vingou nos primeiros anos da independência. Seus conceitos, todavia, mostraram-se verdadeiros. A escravidão caiu 66 anos depois do 7 de Setembro de 1822. E hoje todos são iguais perante a lei.
Ainda assim, o país idealizado pelo Patriarca continua um projeto a ser acabado. Não venceu o preconceito racial. Tampouco conseguiu eliminar a profunda desigualdade social, em grande medida porque falhou ao não ofertar educação de qualidade para todos. A devastação florestal continua. E, se já não existem mais senhores de escravos, ainda persistem formas de exploração do trabalho alheio na iniciativa privada e no poder público. A corrupção que enriquece uns poucos, por exemplo, não deixa de ser uma apropriação indevida do suor do contribuinte.
P.S.: Quem tiver interesse em se aprofundar nas ideias de José Bonifácio pode encontrá-las reunidas no excelente livro Projetos para o Brasil.