Os jornais de hoje provavelmente vão estampar de forma tímida, e com o enfoque de acontecimento meramente francês, as solenidades que marcaram ontem o aniversário da queda da Bastilha. De fato, a tomada dessa prisão política pelo povo em armas, em 14 de julho de 1789, tornou-se símbolo da Revolução Francesa e, por isso, é a principal data cívica do país. Mas talvez poucos se lembrem dos tempos de escola, em que se estudava que a data marca exatamente o início de uma nova era para todos os povos.
A Idade Contemporânea nasceu sob a inspiração do lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" e por pressão do republicanismo como ideologia política, da crença na razão como guia do ser humano e do capitalismo como sistema econômico. Mas, 220 anos depois, nem todas as "promessas" do novo tempo se concretizaram por completo.
Se por um lado o republicanismo espalhou-se pelos quatro cantos do planeta e aumentou a participação popular, não foi capaz de impedir o aparecimento de uma nova modalidade de absolutismo que ele prometia enterrar: o totalitarismo, e suas matizes mais atenuadas, como o autoritarismo. Afinal, nunca deixaram de existir nações dirigidas pela vontade de um único grupo ou pessoa não mais um rei ou uma corte, mas algum ditador ou caudilho que não raramente alega ser um democrata.
Além disso, mesmo sociedades que se constituíram sob a orientação do republicanismo ainda hoje cedem a tentações de controlar a vida das pessoas. Em nome do combate do terrorismo ou da segurança, avança-se sobre o direito de todos irem e virem. A recém-enterrada doutrina Bush é um exemplo disso. Mas não é preciso ir longe para constatar isso: ideias como toque de recolher para retirar das ruas jovens, supostamente "perigosos", fazem grande sucesso na opinião pública. Onde está, então, a liberdade?
Também não se pode dizer que a razão tornou-se o guia maior do ser humano. Superstições, fanatismos e irracionalidades de todas as naturezas estão cada vez mais influentes na esfera política. A própria razão, quando despida da ética e de valores, demonstrou não estar a favor do bem da coletividade. Afinal, a ciência que cura é a mesma que mata. Onde fica então a fraternidade, diante do uso do conhecimento para agredir o próximo?
O capitalismo talvez tenha sido o movimento que impulsionou a Revolução Francesa (e que dela se beneficiou) com as bases mais sólidas após dois séculos e duas décadas da queda da Bastilha. Mesmo assim, uma economia capitalista calcada na "irracionalidade exuberante" dos mercados e sem o controle de uma sociedade efetivamente republicana continua a produzir como resultado a desigualdade social. Não era a igualdade um dos três lemas da Revolução?
Fernando Martins é jornalista.