A crise do Senado se encaminha para um fim melancólico e decepcionante. A enxurrada de denúncias contra José Sarney deve ser definitivamente enterrada sob o comando da tropa de choque comandada por Renan Calheiros e Fernando Collor. Tudo isso com o apoio do presidente Lula.
A descrença e a revolta da opinião pública com relação ao mundo político e às instituições democráticas é um resultado inevitável. Mas, no fundo, nós brasileiros temos parte da culpa. Quem, afinal, elegeu Sarney, Renan e Collor? Foram os eleitores. Quem continua, segundo as pesquisas de opinião, dando apoio maciço a Lula, a despeito das manobras que faz para manter Sarney no cargo? É a população.
Sarney chegou ao Senado recebendo os votos dos amapaenses, mesmo após ele ter deixado a Presidência da República com o país vivendo uma hiperinflação e de ter usado o congelamento de preços do Plano Cruzado como o principal cabo eleitoral nas eleições de 1986 quando os governistas conquistaram o comando de quase todos os estados. Logo depois do resultado das urnas naquela longínqua década de 80, os preços foram liberados, a inflação voltou e o eleitor que votou nos candidatos do presidente se decepcionou.
Collor sucedeu Sarney, a quem acusava de ladrão. Na eleição presidencial de 1989, usou imagens de uma filha ilegítima de Lula, a quem hoje apoia, para sujar a imagem do petista. Foi eleito, assumiu, sofreu o impeachment (acusado de corrupção), teve os direitos políticos cassados e... voltou ao Senado com o voto dos alagoanos em 2006. Já Renan chegou ao Senado em 2002, também por Alagoas. Elegeu-se apesar de ter sido o braço direito de Collor, a quem renegou quando o barco collorido afundou na década de 90.
A crise do Senado não teria ocorrido se a população não tivesse colocado Sarney e companhia lá. Se a memória política do eleitor não fosse tão curta. Se não houvesse tanta tolerância com desvios de conduta dos políticos.
E, antes que alguém possa pensar que tudo isso é uma coisa de nordestino, que fique bem claro: não é. Escândalos como o do Senado existem nos quatro cantos do país e os políticos envolvidos, em grande parte das vezes, continuam a ser eleitos ainda assim. O paulista Paulo Maluf talvez seja o exemplo mais emblemático disso.
De certa forma, o que os dirigentes fazem em Brasília conta com a tolerância, quando não da aceitação, de uma parcela significativa dos brasileiros. O nepotismo que grassa no Senado sob a administração Sarney tem profundas raízes na cultura nacional que valoriza a família acima de tudo (o que é bom), misturando as esferas privada e pública (o que é ruim).
Pesquisas indicam que muita gente gostaria que houvesse censura na mídia, sob a alegação de que isso acabaria com a imoralidade principalmente na televisão. Esse argumento é irmão daquele que tenta calar a imprensa em nome da preservação da imagem de políticos. Não houve, por exemplo, nenhuma comoção das ruas contra a censura imposta pela Justiça, a pedido da família Sarney, ao jornal O Estado de S. Paulo.
Fernando Martins é jornalista.