O país estará parado em três dias, com multidões em busca de um escape da vida cotidiana. O carnaval é, antes de tudo, a festa da fantasia, do irreal e do excesso. É e sempre foi assim em todos os cantos do mundo onde há festejos carnavalescos. Mas no Brasil assumiu contornos que vão muito além. A maior festividade popular brasileira pode ser vista como um retrato das potencialidades da Nação um povo que pretende ser alegre, criativo, mais igualitário e democrático.
O antropólogo fluminense Roberto DaMatta, no livro Carnavais, Malandros e Heróis, de 1979, levanta a tese de que nas festas carnavalescas brasileira ocorre uma inversão de papéis na sociedade. Nas ruas, o pobre vira nobre. E a elite posa de povo ou, se não o faz, ao menos para e admira a periferia passando na avenida. Isso não é pouco num país profundamente desigual e hierarquizado como o Brasil, em que grassam o "carteiraço" e o "você sabe com quem está falando".
Os desfiles das escolas de samba são a síntese dessa utopia de quatro dias. O interesse cada vez maior das altas camadas sociais e da elite econômica pelo espetáculo da avenida, ainda que revele por um lado uma mercantilização crescente do carnaval, é também o reconhecimento do valor dessa manifestação popular. Um reconhecimento da organização e da beleza que emergem do povo.
Nos barracões onde se produz os desfiles das escolas de samba, esse belo não raras vezes se origina daquilo que a maioria despreza: materiais de pouco valor. É a transformação do lixo em luxo, num exemplo da inventividade brasileira.
A exibição da beleza carnavalesca nas ruas, o espaço público por excelência, também tem um quê de democrática e não elitista. É o belo socializado, não privatizado, feito para ser exibido com orgulho. Todos podem, enfim, desfrutar e encantar-se com a opulência dos desfiles nem que seja pela televisão. Um comportamento bem diferente de uma parte da elite brasileira que se fecha em condomínios privados distante do resto da população para aproveitar o luxo que seu dinheiro pode comprar.
O carnaval tem sim excessos. Pode-se apreciá-lo ou não. Definitivamente é uma fuga da realidade. Mas é inegável que, tentando escapar das agruras do cotidiano, o povo brasileiro criou coletivamente uma fantasia do que gostaria que o país fosse.