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fernando martins

O concerto e o conserto para o país

A política brasileira parece hoje uma sala de aula sem professor. Na ausência dele, todos os alunos começam a conversar entre si e, quando percebem, estão falando cada vez mais alto porque já não conseguem ouvir uns aos outros, nem mesmo os que estão ao lado. Para quem observa de fora, é só barulho. A turma deixa de ser turma e vira turba. O interesse coletivo, sintetizado no ensino em si, desaparece em nome dos assuntos individuais do bate-papo entre os estudantes.

Outra imagem que exprime a crise política é a de uma orquestra desafinada – na qual o maestro não controla os músicos, que tentam aparecer uns mais que os outros. O resultado é um som que agride o ouvido. A música vira barulho. Em vez de um concerto, tem-se um desconcerto.

A orquestra da política brasileira, afinal, desafinou

É curioso inclusive o uso do termo “concerto” para designar a apresentação de uma orquestra. A palavra, pouco usada fora do contexto musical, significa “combinação”, “harmonização”, “conciliação”. Uma sinfonia nada mais é do que um combinado harmônico de sons. Uma conciliação agradável de notas musicais. Uma das funções do maestro – “mestre”, em italiano – é fazer com que os músicos toquem com a velocidade e intensidade que a composição exige. Se for bem sucedido, o trabalho individual de até 120 instrumentistas se funde numa música digna dos aplausos da plateia.

A ideia do concerto se expressa na política numa palavra correlata e não muito usual: concertação – que pode ser definida como a busca de consensos, acordos, harmonização entre os agentes públicos. O termo costuma ser resgatado dos dicionários em momentos de crise política, como a que o país atravessa. A orquestra da política brasileira, afinal, desafinou.

Com a desaprovação popular nas alturas, a presidente Dilma Rousseff perdeu o controle do Congresso. Sobretudo da Câmara dos Deputados – que passou a tocar a própria música sob a batuta de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O Senado, que também andava às turras com a presidente, virou a tábua de salvação do governo. A tentativa de costurar uma pauta de votações de projetos para reanimar a economia é positiva – faz parte da busca de um concerto nacional. Mas as declarações de boas intenções não são suficientes. E, sem a Câmara, a agenda não sairá do papel. A orquestra, afinal, continua pela metade. E Dilma no máximo conseguirá que os senadores barrem a pauta-bomba concebida pelos deputados. É pouco para concertar e consertar o país.

Além disso, o Planalto continua a reger acordes dissonantes ao acenar para o diálogo e, ao mesmo tempo, buscar atribuir a quem se opõe a suas propostas como adepto do “vale-tudo” e do “quanto pior, melhor”.

Vale lembrar ainda que a “agenda Brasil”, como foi batizado o pacote de projetos, tem de ir ao encontro do que a população deseja. A pauta discutida pelo Planalto e pelo Senado tem o objetivo de recuperar a economia. Mas pouco ou quase nada traz para reduzir a distância que separa os políticos dos cidadãos. Essa é uma das causas mais profundas da crise, que inclui a corrupção generalizada no poder público e os privilégios de que gozam as altas autoridades. O combate desses problemas seria como música para os ouvidos dos brasileiros.

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