Quando entrei na escola, nos anos 80, o país estava saindo da ditadura militar e iniciando a transição para a democracia. O ocaso político dos militares, associados à direita, foi acompanhado da valorização das ideologias de esquerda. O pêndulo da história brasileira estava mudando de lado. Era preciso renegar tudo o que estava ficando para trás. E pedagogia não escapou da sedução da onda inspirada no marxismo.

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No colégio, era comum alguns professores "ensinarem" que o império norte-americano crescia à custa dos países periféricos, que o empresário oprimia o trabalhador, que o rico explorava o pobre. Havia uma aura de pureza envolvendo a pobreza naqueles ensinamentos. Eu, como criança de classe média, sem ser milionário nem miserável, ficava num dilema: de que lado afinal estava? Do lado "bom" ou do lado "ruim"?

No meio do caminho entre aquela década e os tempos atuais, o muro de Berlim caiu. Mas isso não foi suficiente para derrubar o culto da pobreza e dos oprimidos. Culto este que leva a sociedade a visões distorcidas da realidade. Ainda hoje há quem culpe os países desenvolvidos pelos problemas da América Latina, esquecendo-se sobre a responsabilidade de cada povo sobre seus próprios rumos. Também é comum o pensamento de que as pessoas de sucesso só cresceram por meio da exploração de outras pessoas.

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Nesse paradigma, o "oprimido" passa a ser um herói, com salvo conduto de seus possíveis erros. Se um movimento social bloqueia ruas em nome de sua causa, isso é aceito. O mesmo não acontece se uma concessionária de pedágio constrói uma barreira numa estrada rural que permitia aos motoristas desviar da praça de cobrança da tarifa. Para estes, a acusação é de só pensarem no lucro.

Mas eis que o repórter Mauri König, na reportagem "Escravos do lixo", publicada nesta Gazeta do Povo no último domingo, desmente o mito da pureza dos pobres. A matéria mostra que catadores de papel de Curitiba vivem em um regime de servidão, no qual trabalham para pagar suas dívidas contraídas de ex-carrinheiros que conseguiram melhorar um pouco de vida e se tornaram patrões pobres de gente miserável.

A reportagem revela que há pobres que exploram pobres. Mostra aquilo que a ideologia oculta: a exploração do homem pelo homem é uma marca da humanidade e não necessariamente de uma classe específica. Obviamente, quem tem mais força pode extrair vantagens dos outros com maior facilidade. Mas simplificar a visão de mundo à guerra entre ricos e pobres é trabalhar em nome de uma ideologia.

Fernando Martins é jornalista.

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