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Fernando Martins

O valor do silêncio

Os momentos silenciosos são os melhores para ouvirmos aquilo que não emite som: nossa voz interior. Mas o barulho está calando essa voz

Talvez nem tenhamos nos dado conta, mas uma das coisas mais preciosas que a sociedade atual está perdendo é o silêncio. Do momento em que acordamos até irmos dormir, dificilmente não estamos cercados por algum tipo de som ou ruído. Nem a madrugada é um refúgio completo. Com relativa frequência, alarmes de casas, carros passando na rua, sirenes da polícia ou festas noturnas nos impedem de desfrutar da ausência de som.

A perda do silêncio não é apenas perniciosa para o descanso ou para a saúde (a ciência já comprovou que o barulho excessivo causa doenças e estresse). Os momentos silenciosos são os melhores para ouvirmos aquilo que não emite som: nossa voz interior. Mas o barulho está calando essa voz. Para algumas pessoas, o som alto, uma barulhenta conversa de bar e a televisão ligada podem até mesmo ser uma fuga do encontro mais temido: aquele que cada um deve ter com si próprio. Não é de estranhar que tantas pessoas não encontrem um sentido para suas vidas.

Mas, a despeito disso, o mundo moderno valoriza o som, o grito, o ruído – nas relações pessoais, no trabalho, na política. Quais costumam ser, por exemplo, os amigos para quem mais damos atenção numa roda de conversa? Geralmente aqueles que falam demais, que contam muitas histórias. Os mais quietos normalmente ficam meio de lado, escanteados. Mas o silêncio deles nem sempre é falta do que dizer. É ausência de chance de falar.

No trabalho também ocorre o mesmo. Há empresas que valorizam o profissional que sempre está se autopromovendo, falando de si para os outros. Não é raro que consiga promoções antes do que o trabalhador silencioso, ainda que este seja mais eficiente.

Os políticos também costumam ouvir com mais frequência os "barulhentos" – aqueles grupos sociais que têm capacidade de se organizar e se fazer ouvir. Isso resulta em políticas públicas não raramente parciais, que beneficiam apenas uma pequena parcela da sociedade.

Grandes industriais, por exemplo, sempre se encontram com os presidentes para apresentar suas reivindicações, ao contrário dos pequenos e microempresários. O lobby dos sindicatos de trabalhadores e das centrais sindicais consegue impedir discussões sobre mudanças na lei trabalhista – ainda que a legislação brasileira não traga nenhum benefício para os silenciosos trabalhadores informais, que poderiam ser incluídos na formalidade com algumas alterações legais que são barradas pelos sindicalistas.

Está mais do que na hora de ouvirmos os silenciosos.

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PS.: aqui vão duas pequenas sugestões às autoridades para que pelo menos o silêncio das madrugadas ainda seja mantido. A primeira é instituir equipes de fiscalização noturna da perturbação do sossego que possam atender mais rapidamente às denúncias. A outra é estabelecer um limite máximo para que um alarme possa tocar. Afinal, o som é para espantar o ladrão quando ele está tentando invadir um imóvel. Não há nenhuma razão para que os alarmes toquem por horas a fio.

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