Um antigo provérbio diz que o homem tem duas orelhas e uma boca para ouvir mais do que falar. A sabedoria popular indica claramente a importância de, em sociedade, prestar atenção no que o outro tem a dizer. Porém, a prefeitura de Curitiba por muito tempo fez-se corriqueiramente de surda perante a comunidade, embalada pela crença na tecnocracia – a aposta de que os técnicos estão habilitados a dar a resposta a tudo. Funcionou bem enquanto os projetos que saíam das pranchetas eram bons e a cidade, menos complexa e sujeita ao conflito de interesses. Mas a fórmula mágica do sucesso curitibano se esgotou. É preciso escutar mais.

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O episódio das calçadas de granito no Batel é sintomático. A obra em si, ao que tudo indica, é tecnicamente boa. Os comerciantes e moradores beneficiados, porém, dizem não ter sido consultados sobre o uso do material nobre. A população da cidade como um todo, muito menos. É natural, portanto, que aqueles que têm em frente de casa um piso mal conservado ou de barro fiquem insatisfeitos com a diferença de tratamento. E, assim, o poder público criou uma divisão em Curitiba: os "privilegiados" do Batel contra o resto.

Esse conflito teria sido evitado se os responsáveis pela obra circulassem por qualquer bairro com problemas de calçamento e conversassem com alguns moradores sobre a possibilidade de usar granito no Batel. A rejeição teria sido tão óbvia como é agora após o caso ter vindo a público. Possivelmente até mesmo nas imediações da avenida beneficiada houvesse alguém que faria o alerta ao não concordar com a dispendiosa obra na quadra ao lado: "Mas vão gastar tanto assim? Por que não fazer algo mais barato e ampliar a reforma para minha rua também?", poderia perguntar o vizinho.

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Cada vez mais se faz necessário ao poder público mensurar o que quer verdadeiramente a população. E abrir canais para que comunidades afetadas pelos projetos de intervenções urbanas sejam ouvidas e que os eventuais impactos negativos que venham a sofrer sejam eliminados ou atenuados. Negociar conflitos em potencial e buscar consensos entre os interesses da maioria e da minoria é outra habilidade que se requer dos gestores municipais. Em suma, precisa-se ampliar a democracia.

Há, porém, um risco inerente a todo processo democrático: ser capturado por grupos de pressão que, embora minoritários, conseguem fazer barulho o suficiente a ponto de abafar outras vozes.

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