Nos (velhos) tempos do Natureza Morta e do Beronha, gibi era coisa do demônio. Ou do "demonho", como diziam alguns e outros continuam insistindo. Os gibis pervertiam e corrompiam crianças e jovens, mas, feliz foi quem teve a oportunidade de colecioná-los e, mais ainda, de participar das trocas domingueiras em frente do Cine Curitiba, na Voluntários da Pátria.

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Pois é, o tempo mudou num instante e, hoje, o gibi é redescoberto – e com objetivo bem mais amplo. Explico: "200 anos – A família real", do jornal O Dia, do Rio, é uma coleção em formato de gibi. Foi um dos trabalhos finalistas do Prêmio Esso de Jornalismo 2008, categoria criação gráfica. Uma obra belíssima, de Ivan Luiz, Breno Girafa, Carlos Mancuso, André Provedel, Boni, Gustavo Moore e Raquel Vásquez.

Além dos quadrinhos sobre a vida e a vinda de D. João, há entrevistas que reforçam o recheio pedagógico e didático da série. Uma delas é a do historiador, africanista e diplomata Alberto da Costa e Silva, que, aliás, coordenou as comemorações do bicentenário, a convite da prefeitura do Rio de Janeiro.

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Embaixador na Nigéria por três anos, ele nos dá grandes lições. Alberto acredita ter uma visão imparcial do país. E explica: "Meu pai era piauiense, minha mãe, cearense; fui gerado no Rio Grande do Sul, nasci em São Paulo, passei a infância no Ceará e vim no início da adolescência para o Rio".

Sobre a escravidão, ensina que, com a saída da Europa do "mercado", a demanda caiu. E, aí, enquanto os preços despencavam, no Brasil eles subiam. Afinal, sempre tem alguém levando vantagem.

– Nunca os traficantes de escravos ganharam tanto dinheiro. Da estada da família real até 1835, calcula-se que tenham chegado ao Brasil 440 mil escravos. Era o cenário mundial, nada a ver com a chegada da Corte.

– Houve escravidão em todas as grandes civilizações. Mas o que faz a escravidão americana especialmente perversa é o fato de ser, pela primeira vez, uma escravidão racial.

– A partir do século XVII, só negros eram escravos no Brasil – no resto do mundo qualquer pessoa poderia ser escrava, mas se fosse prisioneira de guerra ou condenada judicialmente. Reis e príncipes africanos vieram para o Brasil como escravos.

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– Não eram vendidos por bagatela. Escravo era caro. Eram vendidos por conchas, os cauris, que só existiam nas Ilhas Maldivas e eram "moedas" compradas com prata.

– Com o fim do comércio, os antigos traficantes já estavam bem de vida, nobilitados. A própria instalação da Corte no Rio se fez com dinheiro dos traficantes. Tinham dinheiro, mas não respeito; não tinham títulos de nobreza nem as glórias do dia. A chegada de D. João era a grande oportunidade. Financiaram a Corte e, assim, foram feitos condes, barões, viscondes, e entraram na vida de grandeza a que eles, homens ricos, sempre aspiraram.

– Toda a vida econômica do Brasil esteve baseada em escravos.

E conclui o historiador:

– O verdadeiro herói nacional brasileiro é o escravo.

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Francisco Camargo é jornalista.