| Foto: Foto: Valterci Santos. Arte: Felipe Lima

Rita de Cássia Graf, a Cassinha, atua no ramo de moda verão. Ela é a tal: domina a tecnologia de tecidos – aqueles que modelam a pele e podem ser considerados a mais importante invenção depois da roda –; manja as cores da hora; e fala, com ciência, das novas tendências dos biquínis, dos selvagens aos dominados no laço. Final de ano, então, é o bicho. Mesmo com temperaturas polares brindando a terra dos pinheirais, a empresária está a postos para abastecer os Mares do Sul com aquelas duas pecinhas fashion que lhes engrandece a paisagem.

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Mas não existe estampa de florais que impeça Cassinha de surfar na maior de suas especialidades: organizar uma festa de Natal na sala de sua casa, no arborizado bairro São Lourenço. O encontro já dura 33 anos e começou logo que Cassinha se casou com o médico e músico Joachim Graf, a quem deve parte da suas prendas natalinas. Superou-se: hoje, nesse quesito, derruba as mütter de Stuttgart e as fraus de Bremerhaven. Explico.

Joachim vem de uma daquelas famílias alemãs que passam o mês de dezembro ensaiando cantatas de Bach e decorando bolachinhas. Os confeitos ficam tão emperiquitados que a gente quase entoa "Adeste Fideles" antes de mordê-los. Quando Cassinha se deparou com o frenesi dezembrino dos Graf não só se rendeu como se tornou uma espécie de antiquária de bolinhas, presépios, dobraduras e estrelas de brocados.

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Basta dar uma biscoitada em sua gigantesca árvore de Natal para se certificar. Há no seu arsenal enfeites trazidos dos rincões da Europa, donativos, joias afetivas ou saldos de uma feirinha qualquer dedicada ao Menino Deus. Alguns adornos são tão antigos quanto a imigração germânica em Rio Negro. Nenhum deles é deitado ao léu nos galhos do pinheirinho. São recuerdos dos tantos e tantos natais dos Graf & amigos.

São mais ou menos 60 convidados a cada edição. Uma semana antes da data oficial do Natal, eles se põem bonitos, preparam um prato de próprio punho – a anfitriã toma por heresia comprar guloseimas na padaria – e cruzam os portões da casa Graf. Ali vão desfrutar um intensivão de oito horas de convivência ao pé da árvore – árvore de 2,5 metros, comprada no Sítio do Caqui, em Colombo. Muitos confidenciam à Cas­­sinha que essa é a única festa de Natal legítima da qual participam: sem consumismo e sem a vulgaridade dos piscas-piscas, literalmente vetados naquelas divisas.

Apenas um ritual da festa é fixo: a horas tantas, homens e mulheres acendem as velas da árvore, rendem graças, dizem boas palavras, mandam um abraço para mãe que está longe – é a gosto. As velas mais altas são atingidas com a ajuda de um cajado vindo de Santiago de Compostela. Coisas de Cassinha – sob seus domínios nenhum objeto deve ser em vão.

Segundo eu soube, é depois da cerimônia das candeias que acontece uma espécie de milagre de Natal, manifestado em meio ao pernil e ao bolo de castanhas hors concours trazido pela vizinha Anna Kluppel. O que se dá na sala é obra da espontaneidade. Conto um episódio: teve um ano em que a festinha sofreu uma espécie de "invasão holandesa". E não era gente de Castrolanda nem de Carambeí. Duas das es­­­trangeiras, trazidas por um convidado, se emocionaram com o Natal de Cassinha e se puseram a cantar naquela língua ininteligível, que mais nos parece movida às águas da Heineken. Parecia filme.

Falando nisso, a badaladas tantas da noite santa do São Lourenço, Joachim – ao cello – e seus três irmãos se aninham e formam o Quarteto Graf. O músico José Brasil, outro habitué, canta a excelsa MPB. No mais, alguém sempre faz um papelão, claro. É do homem, né. Enquanto isso, dou um dedo que nalgum canto um conviva chora a morte de alguém. E que um outro, sem que se perceba, cantarola baixinho "Noite Feliz".

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