| Foto: Foto: Antonio More/Gazeta do Povo. Ilustração: Felipe Lima

Conheci Sued Jorge Nassar num casamento. Ele era o juiz de paz e deixou parte da audiência com lencinhos encharcados, parte lhe pedindo um cartãozinho, pois nunca se sabe. Ele é o cara. Em vez de ministrar uma cerimônia protocolar, recolher as assinaturas e dar no pé com um pedaço de bolo no tupperware, gastou seu melhor latim e até contou, com penas de cronista, como os noivos – Paola e Rodrigo – se apaixonaram. Meninos, eu vi – mulheres ameaçadoras, aquelas de terninho Chanel, se derreteram feito mocinhas de novela.

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Pois é, Sued faz o gênero ro­­­mântico argumentativo hiperbólico. Diz que é de nascença. E que não lhe peçam para explicar por quê, há exatos 15 anos, se empenha tanto em fazer da troca de alianças o tal do melhor momento do resto da vida. Deve ser culpa de seu pai – Elias Nassar, com quem tudo aprendeu.

Elias – um sírio castiço – tinha devoção das arábias por casamentos, o que fez dele o juiz de paz mais disputado das redondezas. Chegava a fazer sete cerimônias num dia, somando no currículo algo como 100 mil enlaces. Aos 86 anos, ao cair de mais um buquê, pediu arrego, levando consigo páginas e páginas da História da Vida Privada nas araucárias.

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Tenho cá para mim que com tantas horas de casório Elias poderia ter sido um sociólogo do mercado afetivo. Sabia tudo do consórcio matrimonial, do varejo ao atacado. Vejam só: aprovado o divórcio, chegou a casar duas, três vezes a mesma pessoa. E conta-se que ao ver a festa atrasada, não se rogava em buscar a noiva em casa e até passar na confeitaria para apanhar o bolo.

Sued, é certo, usa de meios mais modernos. Antes do dia marcado, pede aos noivos que lhe contem por e-mail como se conheceram, usando desses relatos para criar sua pirotecnia de emoções. Depois de analisar as confissões, procura inspiração na literatura, escolhendo o conto ou a fábula para a ocasião. Segundo consta, o método lítero-cartorial é infalível.

O homem leva tanto jeito para Sherazade que, tempos atrás, foi interpelado por uma noiva para que explorasse tal talento num curso de contação de histórias, o que fez prontamente. Não por menos o juiz se tornou um narrador das mil e uma noites, ao custo módico de R$ 14 a R$ 24, colocando em risco a milionária indústria de núpcias.

Ele precisa de pouco. Aos 55 anos, cabelo em riba, voz bem posta e pinta de figurante de Lawrence da Arábia, põe-se a falar piano. É truque. Pronto, abre o peito e conta como os deuses criaram tudo o que há, mas perceberam que uma espécie era muito diferente. Para salvá-la da solidão, espalham o perfume do amor, fazendo com que homens e mulheres identificassem quem lhes faria companhia.

Essa versão revisada e ampliada da tampa e sua panela faz sentido. Tempos atrás Sued casou um presidiário e sua carcereira. Passaram por sua pena também muçulmanos, judeus, hindus, velhos, adolescentes – combinando retalhos e cetins. Ele bem mais velho que ela 50 anos. Às vezes ela é linda – ele, cruz-credo. "Quem ama, casa", vaticina. O juiz mesmo já se casou três vezes e concorda com o que vem afirmando dois filósofos veteranos: Alain Badiou e Luc Ferry. O casamento refina os costumes, aumenta a tolerância, impulsiona a economia, move o mundo.

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Bem, Sued prefere dizer a mesma coisa sem tanta crase. Para ele, as pessoas se casam por que encontram onde reclinar a cabeça. "Estar comprometido é a suprema liberdade". Não lhe perguntem por quê. A resposta, sussurra, é dada pelos noivos, na troca de alianças, quando lhes dá a palavra. "O que eles dizem é sempre lindo", encerra nosso Sued. Sorry, solitários.

E ademã... O juiz ia rumo a um casamento, às 17 horas de uma quarta-feira. Vi-o sumir numa Curitiba em trânsito. Mal imagina toda a gente que ali se vai o dono da profissão mais bonita da cidade.