Rosenilda Ribeiro, de 30 anos, a Rose, é "pequenininha, do tamanho de um botão..." Tem 94 centímetros, 5 palmos, 37 polegadas. Ao lado dela, mulheres mignons se transformam em Bündchens pernalongas. Guapeca de quintal vira dinossauro do Spielberg. Incrível. Em Curitiba, só perde em estatura para o casal Claudinha Rocha e Douglas Maister, seus colegas de vida minúscula, donos de contadinhos 92,5 e 89,5 centímetros.
Quando menina, na também minúscula Congonhinhas, perto de São Jerônimo da Serra, que é em riba de Ibaiti, Rose se deu conta de que, tirando os prédios, tudo crescia a sua volta menos ela. Não abriu berreiro na saia da mãe. Lembra apenas que o avô a botou debaixo do braço, trouxe-a para a capital e a colocou nas esquinas para pedir esmolas. Porta-níqueis e bolsos eram escancarados diante da pequerucha de mãos estendidas. Sabia dizer "Deus te abençoe". Tinha 6 anos.
O pai de Edith Piaf fazia parecido: botava-a para cantar nas praças. Mesmo embrutecida pela miséria, Piaf foi descoberta pelos caça-talentos e se tornou a voz da França. La vie en Rose... A Rose de Congonhinhas também foi descoberta. Agentes de proteção à infância flagraram o avô fanfarrão e mandaram a neta para o Lar das Meninas, nas Mercês.
Foram dez anos de internato. Ali, Rose conheceu mal-e-mal as primeiras letras e bacharelou-se na arte de escapulir. Planejou três fugas espetaculares para alguém de seu porte 26 quilos. Podia cair do meio-fio, ser atirada longe pelo vento do Ligeirinho, estraçalhada por um cachorro bravo. Além do mais, era farejada de longe. "Uma pequetitita assim, alguém viu?" Aos 16 anos, desistiram de capturá-la, deixando-a à mercê dos 25 becos do Parolin, onde vive até hoje. Virou um amuleto da vila, ainda que, como todos os mortais da redondeza, saia vez em quando para catar lixo. A diferença é que o faz em companhia da gurizada à moda do passo curto.
Rose já teve posição melhor no mercado: distribuía panfletos. Nos Natais, fazia frilas como duende de Papai Noel. Logo vieram as figurações em peças de teatro no Espaço da Criança, em Santa Felicidade. Fez Branca de Neve por motivos óbvios. O quiproquó é que a garota que se pelava de medo de não arrumar marido queria ser mãe. Candidato já tinha o papeleiro Ademir Cardoso dos Santos, 1,60 metro, poucos estudos, "não conhece dinheiro, mas é do tipo que ajuda em casa e troca fraldas." Resistir, quem há de? Primeiro vieram as fraldas de Leandra, hoje com 8 anos, seguidas das de Rafaela, com 6.
Ambas têm a mesma deficiência da mãe acondroplasia, um nanismo causado por um mal dos ossos e não por deficiência de hormônios. Além dos poucos centímetros, o trio leva um grande calombo saltado nas costas uma agonia. "Dóóóói. Sinto como estivesse levando facadas", conta Rose, balançando-se ao pé da cama, um livreto na mão. Acabara de ler para as gurias A Bela e a Fera. São crianças, afinal. Mas dia desses, Leandra chegou em casa de conversê sobre o que gostaria de ser quando crescer. A mãe cortou. "Você nunca vai crescer, minha filha." Silêncio. Cai o pano.
Não há de ser nada. Quando andam juntas, mãe e filhas são as três graças do Parolin. Depois que fazem as unhas no Salão Novo Visual, as vizinhas pedem amiúde o ombro de Rose. Dizem que gostariam de ser pequenas como ela. Fora da vila idem. Volta e meia, programas de tevê transformam as Ribeiro na "incrível história das anãzinhas". No Centro, ao vê-las na fila do pão distribuído pelas Pias de Santo Antônio, no Bom Jesus, o povão se acotovela para fotografá-las. "Acho que sou mais popular que o Édson Rodrigues", diverte-se Rose, comparando-se ao famoso líder comunitário da favela um Juvenal Antena da vida real, com 4 mil votos para vereador em 2008. O grandalhão que se cuide.
Logo ali. Apenas quatro quilômetros separam as Ribeiro da Rua Padre Camargo, onde funciona a Unidade de Endocrinologia Infantil do HC. O local é referência em nanismo, chega a atender 28 mil consultas/ano e abriga médicos do quilate de Romolo Sandrini e Luiz Lacerda. Era para lá que as meninas deveriam ter sido encaminhadas logo ao nascer. Há cirurgias a fazer; coletes a usar. Lá, Leandra pode contar para a turma do hospital o que quer ser quando crescer.
José Carlos Fernandes é jornalista.
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