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O historiador Dennison de Oliveira, 46 anos, adora pôr a cabeça da gente para rodopiar. Numa conversa à toa é capaz de dizer o comprimento e o peso do navio japonês Yamato – construído na Segunda Grande Guerra –, descrever firulas da telecomunicações no Brasil da década de 70 e denunciar os erros de sequência de uma filmagem de Robin Hood de mil-novecentos-e-bolinhas. Tudo sem engasgar.

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O cara é crânio. Não à toa, in­­tegra uma categoria privilegiada de professores da UFPR, onde le­­ciona: o dos doutos que se expressam com a informalidade de um colecionador de gibis numa feira de pulgas. Garanto ser raro um aluno que o esqueça. Agora mais do que nunca.

Aos fatos. Ano passado, ao ofe­­recer a disciplina "Tópicos Espe­­ciais de História e Ciência", Den­­nison informou que seu curso trataria do seriado americano O Túnel do Tempo, assinado por Irwin Allen, um Spielberg da era da "tevê a lenha". Para quem ainda cheira a leite, esse enlatado preencheu as tardes vadias de milhares de pimpolhos – todos fagueiros ao tomar um copo gigante de Toddy ["Todde" na versão local] diante de um televisor Invictus movido a tapas.

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O pequeno Denni foi um desses. Contrariando as teses de que os telespectadores virariam vidiotas e quadrúpedes, saiu ileso dos 30 episódios da série. O único efeito colateral é que decidiu ser historiador por causa do Túnel. E assim permanece.

É verdade que depois de tantos títulos acadêmicos mal lembrava de influências intelectuais mediadas pela General Eletric. Até que tempos atrás, numa googada, quase deslocou a mandíbula ao descobrir que O Túnel do Tempo tem 1,5 milhão de citações na internet, o mesmo que Friends, a série de maior sucesso da televisão.

Aplicado, reviu com proficiência e perícia todos os episódios. "Não tenho dúvidas sobre a relevância cultural do programa...", informa com grau. OK. Dennison concorda que é precoce afirmar que o programa in­­ventou a expressão "túnel do tem­­po", certamente usada já pelas Nancys e Janes do Velho Oeste. Mas que a popularizou, isso sim.

Mais do que isso. Para os zi­­lhões de seguidores "meia cabeleira curta" a série ditou um significado torto para a palavra His­­tória: uma sequência cronológica estrelada por heróis, não raro com barbas postiças. A de­­du­­ção – passível de banca examinadora – foi o bastante para que o estudioso transformasse a sala 404 do Edifício D. Pedro II na gigantesca espiral de onde os protagonistas da série – os cientistas Tony (James Darren) e Doug (Robert Colbert) – saíram outra vez para seu passeio nos séculos dos séculos.

A classe, praticamente re­­cém-nascida, se segurou para não rir. Nos moldes de hoje, a pro­­dução de Irwin Allen equivale a um teatrinho de escola. Num episódio Tony e Doug podiam estar a bordo do Titanic, em 1912, e noutro na Guerra de Troia, em 1.200 a.C. Para dar conta desses ambientes, filmes antigos e ce­­nários capengas da Twenty Cen­­tury Fox serviam de quebra-galho. E dá para notar.

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Caro e encrencado, O Túnel do Tempo, snif, não passou da primeira temporada. Irwin Allen se mandou para Terra de Gigantes e Perdidos no Espaço. Os órfãos da série, presumo, se entregaram a bebidas não achocolatadas. No caso de Dennison, a nostalgia se converteu num livro: ele acaba de organizar pela Editora Juruá uma coletânea de artigos sobre a série, assinada por seus 30 telespectadores universitários.

É um achado. Ao tratar do episódio em que os dois viajantes descobrem a máquina do tempo dos soviéticos, por exemplo, o livro promove a "Guerra Fria sem bocejos". Surpreende ao revelar por que negros quase não eram escalados como figurantes. Debulha o episódio estranho em que Nero encarna em Mussolini. E conta que até Deus faz uma pontinha certa vez. É justo – ninguém manja mais de história do que Ele.

Ah, naqueles idos, o Túnel soava pura verdade. Não havia nada de absurdo em prosear com o Mago Merlin ou desembarcar em Krakatoa. Seria efeito do Toddy? Bons tempos.

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