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 | Foto: Aniele Nascimento / Arte: Ricardo Humberto
| Foto: Foto: Aniele Nascimento / Arte: Ricardo Humberto

Há dois meses, um cargo político está vago na ci­­dade, à espera de um can­­didato: o de presidente da Mercearia Stella ou Bar do Toninho, sito na Rua Ângelo Sampaio, 1.776, na altura da Gu­­temberg.

Aos desavisados, informo que o local, à revelia de ser do tamanho de um botão, funciona nos moldes das mais sólidas democracias e deveria servir de inspiração para os aproximados 145 mil estabelecimentos comerciais da capital.

Antônio Carlos Stella, 63 anos, dono do negócio, é uma espécie de primeiro-ministro e permanece no posto por aclamação popular. Felipe Diapp, morto há dois meses, ocupava a presidência. Cabia a ele organizar bolões, churrascos e pirografar num painel o nome dos bebedores que já deram baixa, de modo a manter viva a máxima das verdades: a vi­­da é breve. In memoriam de "Pos­­tarek, Leomar, Wílson, Arcy, Ze­­zé, Toto. Cuidado."

Enquanto a situação política do bar não se define, as tarefas de Diapp são divididas entre candidatos ao posto. Segundo consta, não há rasteiraços entre eles e reina consenso de que o antecessor é insubstituível. Resta remediar e manter o ânimo nacional.

A formação republicana do Bar do Toninho se deu de forma tão pacífica que deveria ser aplicada em zonas de conflito, como a Caxemira, o Tibete e a região metropolitana. A receita é simples e barata como assar costela. Às falas.

Na década de 80, Stella comprou um comércio liquidado pela ascensão dos supermercados Jumbo e Morita. Em vez de amaldiçoar a tirania do capitalismo, decidiu dividir o poder com seus clientes mais fiéis, implantando uma espécie de "socialismo do livre balcão". Deu certo.

A turma do bar não fica de papo para o ar, esperando que alguém abra o freezer e lhes traga uma cerveja, ora bolas. Livre das funções burocráticas, Toninho ganha tempo para distribuir afeto aos convivas e cuidar do cardápio – que muda a cada dia, co­­mo na casa da gente.

Ele "é o cara". Natural da pe­­quena Fartura, no interior de São Paulo, trabalhou como caminhoneiro durante 14 anos e assim permaneceria não fosse um de seus rins ter avariado. Acabou no Hospital Evangélico, no Batel. O tratamento durou o bastante para que decidisse ficar por ali mesmo – não muito longe da sala de cirurgia. Despachou o caminhão e com a grana arrematou o antigo Armazém do Salvador, uma sobra dos anos 1940, quando a Ângelo, de sonho e de pó, era a rua onde morava a Maria Polenta.

Vendia pouco, mas se divertia ouvindo as histórias de dois cabras que batiam ponto no local – Carlito Bush e Romão Bayer. "Conheci Curitiba só de ouvir o que eles diziam", conta. Pelo que tudo indica, ao tomar gosto pelas crônicas provincianas da dupla Bush & Bayer, To­­ninho encontrou o ingrediente que faltava para fundar seu pe­­queno país: aliou a hospitalidade caipira ao apreço dos curitibanos da gema por espaços reduzidos, frequentados por uns poucos, preferencialmente do mesmo time.

Pois é, se a república do To­­ninho tivesse uma bandeira, se­­ria a do Atlético. As paredes estão talhadas de fotos do Furacão da Baixada. Mas alto lá! Os forasteiros não são molestados. O advogado coxa-branca Josemar Vidal, por exemplo, nunca precisou re­­gistrar queixa. Como não é o único estrangeiro em terras rubro-negras, alguns confrades alardeiam que o bar se tornou um encrave de convertidos não de­­clarados. "Demora para admitir, né. É como mudar de religião", alfineta um habitué.

Em tempo – não há credo oficial no bar. Tudo indica que nenhuma guerra santa há de abalar suas bases. Amanhã e de­­pois, os de sempre estarão lá. To­­ninho há de telefonar para quem tomou sumiço. Vai pedir a um talzinho que modere no xarope. E esperar que, das bases, brote um novo presidente. Nesse dia, fará para o chefe a melhor carne de onça do pedaço. É da cultura local.

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