Há dois meses, um cargo político está vago na cidade, à espera de um candidato: o de presidente da Mercearia Stella ou Bar do Toninho, sito na Rua Ângelo Sampaio, 1.776, na altura da Gutemberg.
Aos desavisados, informo que o local, à revelia de ser do tamanho de um botão, funciona nos moldes das mais sólidas democracias e deveria servir de inspiração para os aproximados 145 mil estabelecimentos comerciais da capital.
Antônio Carlos Stella, 63 anos, dono do negócio, é uma espécie de primeiro-ministro e permanece no posto por aclamação popular. Felipe Diapp, morto há dois meses, ocupava a presidência. Cabia a ele organizar bolões, churrascos e pirografar num painel o nome dos bebedores que já deram baixa, de modo a manter viva a máxima das verdades: a vida é breve. In memoriam de "Postarek, Leomar, Wílson, Arcy, Zezé, Toto. Cuidado."
Enquanto a situação política do bar não se define, as tarefas de Diapp são divididas entre candidatos ao posto. Segundo consta, não há rasteiraços entre eles e reina consenso de que o antecessor é insubstituível. Resta remediar e manter o ânimo nacional.
A formação republicana do Bar do Toninho se deu de forma tão pacífica que deveria ser aplicada em zonas de conflito, como a Caxemira, o Tibete e a região metropolitana. A receita é simples e barata como assar costela. Às falas.
Na década de 80, Stella comprou um comércio liquidado pela ascensão dos supermercados Jumbo e Morita. Em vez de amaldiçoar a tirania do capitalismo, decidiu dividir o poder com seus clientes mais fiéis, implantando uma espécie de "socialismo do livre balcão". Deu certo.
A turma do bar não fica de papo para o ar, esperando que alguém abra o freezer e lhes traga uma cerveja, ora bolas. Livre das funções burocráticas, Toninho ganha tempo para distribuir afeto aos convivas e cuidar do cardápio que muda a cada dia, como na casa da gente.
Ele "é o cara". Natural da pequena Fartura, no interior de São Paulo, trabalhou como caminhoneiro durante 14 anos e assim permaneceria não fosse um de seus rins ter avariado. Acabou no Hospital Evangélico, no Batel. O tratamento durou o bastante para que decidisse ficar por ali mesmo não muito longe da sala de cirurgia. Despachou o caminhão e com a grana arrematou o antigo Armazém do Salvador, uma sobra dos anos 1940, quando a Ângelo, de sonho e de pó, era a rua onde morava a Maria Polenta.
Vendia pouco, mas se divertia ouvindo as histórias de dois cabras que batiam ponto no local Carlito Bush e Romão Bayer. "Conheci Curitiba só de ouvir o que eles diziam", conta. Pelo que tudo indica, ao tomar gosto pelas crônicas provincianas da dupla Bush & Bayer, Toninho encontrou o ingrediente que faltava para fundar seu pequeno país: aliou a hospitalidade caipira ao apreço dos curitibanos da gema por espaços reduzidos, frequentados por uns poucos, preferencialmente do mesmo time.
Pois é, se a república do Toninho tivesse uma bandeira, seria a do Atlético. As paredes estão talhadas de fotos do Furacão da Baixada. Mas alto lá! Os forasteiros não são molestados. O advogado coxa-branca Josemar Vidal, por exemplo, nunca precisou registrar queixa. Como não é o único estrangeiro em terras rubro-negras, alguns confrades alardeiam que o bar se tornou um encrave de convertidos não declarados. "Demora para admitir, né. É como mudar de religião", alfineta um habitué.
Em tempo não há credo oficial no bar. Tudo indica que nenhuma guerra santa há de abalar suas bases. Amanhã e depois, os de sempre estarão lá. Toninho há de telefonar para quem tomou sumiço. Vai pedir a um talzinho que modere no xarope. E esperar que, das bases, brote um novo presidente. Nesse dia, fará para o chefe a melhor carne de onça do pedaço. É da cultura local.
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