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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Confesso que tenho cá minhas dúvidas sobre a eficiência dos horóscopos. Mas já não posso viver sem eles. São meu vício secreto. Servem-me de consolo, seja de manhã, ou no fim do dia, quando de pouco adiantam. É um jogo do cotidiano. Uma autoajuda menos sacana que as habituais, pondo-nos desafios como "saia com os amigos", "veja o lado bom da vida" ou "preste atenção em alguém que passa a seu lado".

A leitura dos horóscopos, inclusive, já me permite alguma ciência. Estou certo, por exemplo, de que todos os astrólogos devem ser do signo de Leão, advogando em causa própria. Enquanto para mim, taurino, as mensagens quase sempre falam em "calar-se" e "conter-se" – numa vã tentativa de pôr freio aos impulsos explosivos dos nascidos sob esse signo –, para os leoninos os textos falam em "mostrar o brilho" ou "espalhar o charme". Sem mágoa. Nascer tem uma dose de sorte. Mesmo sem a certeza de que o conhecimento dos astros é verdadeiro ou não, tenho de concordar que sou teimoso, como de resto os nascidos nos idos de abril e maio. E que estou tão moldado a essas características que, se nascesse de novo, gostaria de vir com o mesmo signo. Nem Áries nem Leão. Vá entender.

Ainda que eu seja o mais vira-lata dos curiosos em astrologia, já entendi que os capricornianos são taurinos que se levam a sério. Que é maravilhoso ter sagitarianos por perto. Que amo os nascidos em Câncer. Que sou capaz de identificar alguém de Libra a quilômetros – estamos sempre fadados à amizade. Admito que às vezes me irrita a leveza dos geminianos, que se esquecem até de comer, algo inadmissível para um taurino. Com os piscianos, o dilema das constelações. Sabe-se lá se sairemos no braço ou de braço dado.

O que mais impressiona, contudo, é a quantidade de pessoas versadas nos astros, ocultas aqui e ali, o que faz desse assunto a mais universal das conversas. Tive um amigo, estudioso com afinco do assunto, que nunca ficava em paz em festas e quetais. Bastava que alguém fofocasse ser ele um versado em astrologia para que se formassem rodas à sua volta. Queriam que lhes dissesse com que signo combinavam. Ou simplesmente entender por que diabos se sentiam arianos ou aquarianos em tempo integral.

Semana passada, em uma festa de casamento, a conversa do grupo em que eu estava acabou numa espécie de sessão da madame Zaira. De repente, éramos oito pessoas usando a linguagem dos astros para, no fundo, poder falar de si, de angústias, dos defeitos rijos feito carne de pescoço. Uma delícia. Para essas ocasiões, tenho uma fala pronta, no que outros me seguem. Quase sempre arranco algumas gargalhadas, o que me torna, casmurro taurino, um pouco mais simpático. Repito o que me declarou uma pesquisadora dos corpos celestes. Depois de tomar minha data de nascimento, respirou fundo e deu-me o veredicto: eu deveria me esforçar muito para ser uma boa pessoa. Touro com ascendente em Escorpião, aiaiai, que tragédia astrológica. E com todos os planetas em Virgem – ó céus, quase um monstro. Mas eu me salvava por ter uma Lua em Gêmeos, garantia de alguma humanidade.

Quando estou empacado como um Touro na arena, invoco a tal da Lua em Gêmeos e a ela me apego como que a um amuleto. Caro leitor, se algo lhe aflige, aconselho tentar descobrir onde é que anda a sua Lua. Pode ser de grande valia. No mais, a astrologia me é de todo lúdica, e não há crime ou pecado nisso. Acho um barato aqueles fakes da internet que descrevem os mais diversos signos em uma única situação. Tem a que diz o que cada um deles faria diante de uma rua, um sarro. Tem a dos móveis na casa de cada signo. Os geminianos gostam de tudo com rodinhas. Os taurinos, de móveis pesados – o que no meu caso é a mais pura verdade.

No mais, esse misto de crença milenar com variedades de magazines acaba, pelo inusitado, mostrando o quanto não queremos ser determinados. Meu "horóscopo do inferno", outro modelo de humor disponível na rede, diz que eu devia fazer triatlo, pois é a única coisa para que serve um nascido em Touro (risos). Não escondo que quando fazia corridas de rua me sentia a mais feliz das criaturas. Mas tenho teimado em seguir outros ofícios. Malditos planetas em Virgem: devem ser eles que me atrapalham em fazer as escolhas naturais. Ou pode ter a ver com o ascendente em Escorpião, pedra do meu caminho. Alguém sabe como é que se desprograma um mapa astral?

PS. Lindíssima a cena do filme Amor, do Michael Haneke, em que a personagem feminina, idosa, assolada por uma doença degenerativa, lê o horóscopo do dia. Já não lhe serve mais. Ali começa sua despedida.

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