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Dia desses, a jornalista Vâ­­nia Mara Welte me fez uma pergunta danada de boa: "Qual sua lembrança mais antiga?" Diz ela que a resposta funciona como um jo­­go. Na hora, todo mundo se em­­ba­­nana. Tem quem fique na dú­­vida se é recordação mesmo ou se viu na Sessão da Tarde. Depois calcula que idade tinha e faz cara de paisagem. Aonde chega a me­­mória, lá está algo de nós. O reencontro nem sempre é agradável.

No meu caso, foi inofensivo. Minha lembrança mais antiga é uma noite de insônia, aos 3 anos, no berço, vendo Sonhos de Valsa voando pelo quarto – uma alucinação de infante às vésperas da Páscoa. Já me curei.

O efeito colateral do jogo da Vânia é que são elas. Mal a gente responde e se pega fuçando qual a segunda e a terceira reminiscência de nosso álbum imaginário. Delícia. No meu caso, lá pelas tantas desembarquei na Lua, ao lado de Edwin "Buzz" Aldrin, Neil Armstrong e do homem-invisível, Michael Collins – a turma da Apollo 11. Foi um passo e tanto para quem ainda cheirava a leite.

Pois é. Chupe o dedo, piazada, mas em 20 de julho de 1969 eu já estava lá e vocês nem imaginam o barato que foi. Igual a milhares de fedelhos passei aquele dia vendo a Lua no céu. Minha plataforma ficava na esquina da Bra­­sílio Itiberê com a Ângelo Sam­­paio, na Baixada. Não era tão bom quanto o Cabo Kennedy, mas dava para o gasto.

Tá certo que me faltou um telescópio de segunda mão para, quem sabe, ver a bandeirinha americana tremulando numa cratera. De resto, não acontecia nada mais emocionante naquelas bandas desde a última safra de ameixa no quintal da dona Rosa Perini. Meu pai bem que tentou me trazer à órbita terrestre, sem sucesso. Somando-se ao 1 bilhão de telespectadores que grudaram o nariz na transmissão borrada, captada a 386 mil quilômetros, garantiu que aquilo não passava de enganação. Não arredou o pé até hoje. Relevei, afinal, ele não assistia a Jeannie é um gênio e desconhecia o ramo de atividade do major Nelson. Papai não sabia tudo.

A conquista do espaço tinha vi­­rado um fenômeno infanto-ju­­ve­­nil, como o Jonas Brothers. Ga­­nhou fôlego na década de 50, quando os soviéticos lançaram o Sputnik e, feito cossacos sem-mo­­dos, mandaram pelos ares a pobre da cadela Laika. Na esteira desses feitos, surgiram álbuns de figurinhas, The Jetsons, a Barbarella...

Os jornais, idem, também se man­­daram para o mundo da Lua. Revirando Gazetas de antanho, encontrei uma matéria de março de 1962 sobre uma das coqueluches "para dentro em breve": viagens tripuladas ao espaço. En­­quan­­to o cruzeiro não saía, os lei­­to­­res se deliciavam com notícias sobre as peripécias orbitais de John Glenn e Scott Carpenter, tão populares quanto Marlon Brando.

Estava tudo tocado pelo programa espacial. Remexendo nos guardados, encontrei uma foto do jardim de infância. Em vez daquele painel de fundo com livros e a Bandeira, pintaram uma nave e o Topo Gigio em traje de astronauta. Imagino quantos escolares ti­­raram retrato na frente dessa imagem. Revirem seus álbuns, senhoras e senhores. Já são horas.

A propósito, a despedida do Topo, comandada pelo Agildo Ribeiro na tevê, é outra lembrança do baú. Armei um berreiro tão grande que tiveram de me assoprar. Aquilo sim era uma armação em estúdio. Bem que podiam ter me avisado. Vai ver, deixaram quieto porque daquele ano em diante tudo ia virar um grande show. Nem velório se safa, né. Ainda bem que quando a Lua é Nova, não resta dúvida: esse espetáculo é de verdade. E pensar que os caras da Nasa a viram de perto. Sortudos. Não contem a ninguém, mas eram os deuses astronautas. E cantavam "Fly me to the moon", se bem me lembro.

José Carlos Fernandes é jornalista.

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