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José Carlos Fernandes

Las hermanas Xavier e la rebelión

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Alguma coisa acontece nos meridianos e paralelos onde o Bigorrilho, Batel, Centro e Mercês se cruzam. O umbigo do mapa atende pelo nome de Praça da Espanha. É uma mísera quadra entre as ruas Carlos de Carvalho, Saldanha Marinho, Fernando Simas e Coronel Dulcídio, mas é capaz de fazer uns tantos marmanjos lembrarem dos melhores anos do resto de suas vidas.

Em tempos idos, funcionava ali o mítico Rebelión, palavrinha mágica da época em que Curitiba, dizem, era só felicidade. Mas como não se faz história sobre a vida boêmia, fica-se sem saber da rebelión dos costumes que aconteceu "por aí, bar em bar". O preço da sonegação é alto: os mais jovens ficam sem saber das glórias pregressas do Cardoso, do Trem Azul ou do Bife Sujo. Que sujeira!

Já faz uns tantos invernos que a "Espanha" deixou de ser zona franca do "faça amor, não faça guerra". Na década de 90, o logradouro amarelou junto com o Centro, à revelia de ser bonito pra chuchu e estar ladeado por ruas revestidas do mais legítimo paralelepípedo curitibano – aquele, psiti, que não cheira, não deforma e nem solta as tiras.

A prefeitura bem que tentou uma respiração boca-a-boca na praça: anos atrás, aproveitou a aura local para fazer funcionar aos sábados uma feira de antiguidades. Dava vontade de bocejar diante das caixinhas de música tocando "Pour Elise". Mas o burburinho foi o bastante para atrair novos comerciantes, entre elas as incríveis hermanas Xavier – Marta e Natália. Viraram heroínas de uma verdadeira inconfidência na praça, com a vantagem de não terem sido degoladas e penduradas no Farol do Saber Miguel de Cervantes.

Aos fatos. As duas chegaram com sede ao pote. Engavetaram os diplomas universitários e ergueram as portas da lojinha – um empório de artesanato para gente descolada. De tão radiantes, só faltou cantarem Singin’ in the Rain no chafariz. Decerto, imaginaram que a vida na Praça da Espanha seria, olé, emocionante como as touradas de Madri. Não era.

Em vez de encher a cara numa mesa do Pata Negra, Marta desceu do salto saiu batendo palmas na porta da vizinhança, como se fosse uma aldeã de Zaragoza. Foi o princípio da revolução. Logo descobriu que no comércio da Espanha todo mundo era "ex" – ex-psicólogo, ex-advogado, ex-publicitário. Rolou sentimento. "Pensei que no máximo íamos criar os Amigos da Praça da Espanha", conta a gaúcha de olhos muito azuis, voz de encantar serpentes e talento para quebrar geleiras. Em parceria com a mana, mais o cunhado Othon Accioly, fundou a Ascores, associação que reúne 56 comerciantes da redondeza.

Assim falando, até parece um daqueles cases de sucesso cheirando a Chanel n.º 5. Mas o movimento dos inquilinos da praça vai muito além dos bons saldos e da fábula de 20 mil clientes por mês. Melhor chamar de ironia do destino. Embora seja formada pela mais castiça classe A, a turma da Espanha se organiza à imagem e semelhança de algumas das 900 associações de bairro que pipocam na periferia de Curitiba. Juvenal Antena ali come no Restaurante Edvino. Só não lhe falta o glamour, é claro.

Chega a ser divertido. Saltam do computador da Marta fotos das ações do comerciante na região – batizada de Batel Soho, numa livre associação com o Soho nova-iorquino e o londrino. Todo sábado a praça vira um fervo – sai criança com pincéis na mão, entram iogues e naturebas, chegam as bandas de rock. Virou um Woodstock doméstico, com pencas de gente sentada em cangas e comendo ao ar livre. Teve até festa de Natal, desmentindo uma a uma as lendas sobre o curitibano das cavernas.

Tem tanto projeto no Batel Soho, que dá vontade de mandar a Marta lavar uma louça e sossegar o pito. Há dias em que a comerciante abre sua loja para os concorrentes virem até ali – fazer um bazarzinho de comadres. Dá para acreditar? E a moça tem planos de transformar a "Espanha" em zona de internet livre. E mais isso e aquilo. Pensando bem, sei não, acho que uma placa do velho Rebelión anda enterrada por ali.

Tomara que ninguém encontre.

José Carlos Fernandes é jornalista.

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