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José Carlos Fernandes

Ney Souza no reino dos pinheirais

 | Foto: Albari Rosa – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Albari Rosa – Arte: Felipe Lima)

Há três perguntas que o estilista e carnavalesco paranaense Ney Souza não responde nem pagando – sua idade, qual a mulher mais elegante que vestiu e o que o levou a ser carnavalesco. Idade não se conta. De cliente não se diz palavra, nem das gordas nem das magras, das cafonas muito menos. Quanto ao carnaval, não responde porque nunca se perguntou.

Ney suspeita que é carnavalesco de nascença. Veio ao mundo pronto para vestir um esplendor de plumas, tendo como seus acólitos Clóvis Bornay, Mauro Rosas e Evandro de Castro Lima, trio com o qual rivalizou por décadas nos salões do Hotel Glória e do Sírio Libanês. Sorry, quem não viu não viveu.

Pois é, os bailes cariocas de fantasia – a que assistíamos numa heroica tevê em preto e branco – sempre traziam Ney entre os destaques, para orgulho geral da nação curitibana. Na Quarta-Feira de Cinzas, palavra de ordem era correr às bancas para comprar a edição de carnaval da revista Manchete. Não raro, nosso embaixador estava lá, montado em 50 quilos de veludos, paetês e armações parafusadas que lhe custavam os olhos da cara. Tinha de se acabar na máquina de costura, o ano inteiro, para atender a alta sociedade. Era dali que tirava o sustento para pagar produções que nunca saíam por menos de R$ 60 mil em dinheiro de hoje.

Faço as contas junto com ele e insisto saber sobre como tudo começou. Ele ri das hipóteses. Talvez Ney tenha virado carnavalesco pelo acaso de ter nascido em Prudentópolis, onde, quando guri, rezava diante dos ícones ucranianos cheios de ouro e prata. Talvez porque seu pai – um promotor de Justiça – desenhava bichinhos com faca, numa abóbora cozida, e lhe desse de presente. Viria dali sua verve criativa. Talvez inspirado nas vestes litúrgicas do seu irmão, o padre Alfeu da Catedral. Talvez por influência das antigas modistas que visitava com as irmãs quando efebo. Não resistia roçar a mão nos tecidos finos e se deliciar com o barulho dos tafetás. Deu no que deu.

O fato é: no início dos anos 1960, Ney convenceu a família, sabe-se lá como, de que queria ser estilista e ganhou o direito de estudar em Buenos Aires. "Foi minha libertação", avisa. Não fez por menos. Integrou-se à equipe de costureiros do Teatro Colón, produzindo roupas para óperas e balés. A essa altura, o guri comprido de 1,90 m já não escondia sua quedinha pelo carnaval, mesmo nunca tendo visto um que merecesse esse nome.

Certa feita, pintou e bordou a fantasia "Os deuses do arco-íris", para um desfile pioneiro no Clube Concórdia. Os organizadores achavam que ninguém ia aparecer. Erraram. Não só tinha público como Ney faturou o primeiro de seus muitos prêmios. É seu momento ternura. Foi em 1963, há 50 anos, o que faz de 2013 o ano das bodas de ouro da maior personalidade do carnaval no Paraná. "É a minha melhor lembrança", admite o homem que correu mundo trajando brocados e que até integrou um show de Sargentelli e suas mulatas.

Nem é preciso dizer que, depois do Concórdia, ninguém mais o segurou. Em dias de folia, os sobrinhos o levavam em disparada para o Rio, carregando a bordo joias como a fantasia "Tenshi no Shinto – o filho do céu a caminho dos deuses". A linda "Gralha-Azul". Ou a premiadíssima "Exaltação barroca", apresentada com toque de sinos e música de Vivaldi. Queixos caíram.

Até Evandro de Castro Lima, seu melhor amigo (e também maior concorrente), se rendeu. Os dois não tinham segredos. Frequentavam-se. Vestiam-se no mesmo camarim, mas nunca contavam um ao outro o que iam mostrar naqueles fevereiros. Com a morte de Evandro, em 1985, Ney entendeu que a festa tinha acabado e passou a rarear suas participações. Silêncio.

Hoje, limita-se a ser destaque na Escola de Samba Mocidade Azul. No mais, pode-se vê-lo vez ou outra andando na Rua XV, altivo como um puro sangue; cometendo um pecadilho na Confeitaria das Famílias; ou fazendo exercício no "estica velho", como chama a academia ao ar livre do Passeio Público.

Não passa batido. Há quem o ache a cara do Cauby Peixoto. E quem o reconheça e pergunte "ué, voltou para Curitiba?" Acha graça. Tirando a temporada passada na Argentina, nunca deixou a cidade, mais precisamente a Praça Santos Andrade. É seu palco no teto do mundo. De sua sacada vê o Teatro Guaíra e lembra dos figurinos que fez. Sonha criar o museu da moda na cidade. Pergunta se alguém se interessaria. Confesso-lhe que não sei. Mas tenho hipóteses.

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