| Foto: Foto: Antonio Costa / Ilustração: Felipe Lima

Daqui uns dias, um ca­­rimbo inclemente selará a aposentadoria do arquiteto Key Imaguire Júnior na Universidade Federal do Paraná, onde leciona desde 1974. Catapof! O ato administrativo já causa ranger de dentes ao som de "Não se vá". Merecia trilha melhor, mas a saudade é brega mesmo. Tempo de chorar.

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Key é o cara. Noves fora, cerca de 1,5 mil arquitetos de Curitiba e redondeza foram seus alunos. Os demais, sem dúvida, ou se formaram ouvindo falar dele ou estudaram com o japinha nos idos de 1966, quando passou no vestibular da universidade – de onde não mais saiu.

A onipresença do arquiteto, contudo, não é só numérica. É moral. Trata-se de um dos sujeitos mais legais de todas as araucárias. Só não lhe compramos o carro, na maior, porque ele não tem um. Aliás, causam-lhe urti­­cá­­ria, assim como celular e ou­­tras traquitanas. Nosso japonês não é high-tech. É um alternativo de fina cepa, um hippie hipergraduado, um iluminado. Ain­­da bem que não fundou uma seita: segui-lo íamos.

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Faz o tipo que anda a pé, o que explica saber de tudo sobre a ci­­dade onde nasceu. Ah, leva os alu­­nos consigo. Para surpresa geral, as atividades acadêmicas no sol e no sereno estão entre as que fizeram dele um professor amado, salve, salve.

É só o aquecimento. Além das aulas peripatéticas pelo Centro Velho, põe a turma num ônibus e se manda para Salvador, São Mi­­guel das Missões e até para o improvável Vale do Amanhecer, no Planalto Central, pois os mi­­cos são o tempero da vida.

As excursões para estudar Ar­­quitetura Brasileira, sua cadeira, são lendárias. Na volta para casa, as histórias viram fanzines nos quais o cronista divertido – sob o nome de Tio Cau – impera por sobre o mestre sisudo, um papel que não lhe cai bem. Tem sido assim nos últimos 35 anos.

Não à toa, seu gabinete na UFPR se tornou zona franca dos futuros bacharéis. Ali se pode gargalhar, chorar no ombro ou levar uma desancada por ter cedido à tentação do estilo neoclássico. O maldito tem feito do município um arremedo de Lon­­dres. Nem Key perdoa. Que dirá Deus.

Chego a me perguntar quantos Keys existem. O homem é uma Tóquio inteira. Um Natio­­nal Kid. Diz ele que sua história começou no dia de 1962 em que conheceu Brasília. Decidiu ali que seria arquiteto feito Nie­­meyer. Mas quis o destino que encontrasse pela frente o professor Cyro Correia Lyra, que o in­­fluenciou a trabalhar pelo patrimônio histórico.

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Assim tem sido. Resgatou das trevas a Casa da Estrela, no Alto da Glória – a única moradia esperantista do mundo. Mapeou toda a Rua XV e ali descobriu um sobrado paranista. Listou as ca­­sas de madeira de CWB e lutou, em vão, para que fossem salvas da fúria imobiliária. É seu calo. Não pisem.

De uns tempos para cá, deu de cuidar das igrejas ucranianas. Fotografou, fez plantas, ajudou a escrever livro. Tem na mira agora os templos polacos. Os sobrados burgueses. E ainda pachorra para enfeitar o poste na frente de seu sobrado. Para subir em árvores. Para continuar chegando a pé. Para ler gibi.

Esta semana fui à casa do Key. Xeretei feito uma comadre. A biblioteca é tão grande que toma cinco quartos. Em fila, a coleção mede duas quadras. As paredes que sobraram são forradas de gravuras – uma delas autografada por ninguém menos do que o quadrinista norte-americano Will Eisner. "A gente se correspondia", diz, com a voz pequena e abafada, um dos sinais de sua discrição monástica.

Ele me leva até a porta. Fala dos tempos de paz e amor, do pôr do sol na janela, lembra do filho Key San jogando bola ali na frente. Está disposto que só. Deve mentir quando diz ter 63 anos. Que lorota boa. E dizer a verdade ao jurar que, aposentado, não vai dormir até as 10. Que quer continuar a escrever textos sobre os Beatles e sobre tudo. A bolar projetos malucos como o assobiódromo. A ser o homem que es­­tava lá. Key é a chave. Como é que se diz? Arigatô.

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