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José Carlos Fernandes

O Livro de Sheila. Ou “Forever and ever I’ll love you...”

 | Foto: Ivonaldo Alexandre / Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Ivonaldo Alexandre / Arte: Felipe Lima)

A educadora Sheila Chamecki Rigler é dotada de um dom sobrenatural: a habilidade de dissolver tempestades de amor em copos d’água. Ao ouvir relatos de corações estilhaçados, porta-se como se estivesse diante das Tábuas da Lei. Não se cansa. Não boceja. Não faz cara de paisagem. Mesmo as narrativas mais tolas lhe caem bem. Na sua voz, creiam, dramas de Hannah Montana parecem filmaços com Olivia de Havilland.

Tenho palpites. Sheila deve ter desenvolvido sua oitiva amorosa já em meio às confidências das gurias de colégio. Fez dessas prosas cor-de-rosa a sua escola. Outra hipótese é de caráter étnico – israelita, aprendeu das Judites e Dalilas da Escritura aonde podem nos levar as terras prometidas pela paixão. O humor judaico, claro, lhe ajuda pacas. Ela sabe rir até ao som de Maysa em Meu mundo caiu. Devia escrever roteiros para Jerry Seinfeld.

Pois é, como ficou sabida no assunto, decidiu fazer do amor o seu negócio. Há 16 anos, debaixo de um coro de azarões, abriu a agência de casamentos Par Ideal. Ganhou a parada. Seu saldo é de 1.650 enlaces até a tarde da última terça-feira. A porcentagem de divórcios é mais baixa que a dos índices do IBGE. No momento, anda às voltas com cerca de mil cadastrados, para os quais empresta suas orelhas escaldadas.

A franqueza com que os trata é lendária: "Não posso ajudá-lo", diz volta e meia a algum freguês, mostrando-lhes o caminho da porta. Explico. Um dos princípios da especialista é que seus serviços só funcionam para os que estão, digamos, numa fase "afetivo cerebral aguda". Ou seja, o mais descabelado dos sentimentos deve estar sob freios de Scânia. Ansiosos e consumidores compulsivos – que querem um parceiro tanto quanto um cruzeiro nos mares do Sul – não podem gozar dos préstimos da casa.

Pelas contas, a turma meio destrambelhada soma 10% da clientela, não mais. São os que dispensa. Mas respondem por 90% das gargalhadas que Sheila dá. Um desses, bêbado de amor e vodca Natasha, dormiu na sala de espera antes de dizer o que procurava. Hasta la vista.

Teve o caso da senhorinha de 75 anos que pediu um homem do seu número: da mesmíssima idade e que, como ela, praticasse bungee jumping. Talvez o achasse nalgum grotão da Finlândia, mas não no Alto da XV. E o da garota que queria um candidato evangélico da mesma confissão e mesmo templo, sem negociação ecumênica. Que pedisse ajuda ao pastor, oras.

Certa vez, veio uma louca por dança de salão que queria um rapaz que bailasse salsa e samba, literalmente, todos as noites de sua vida, na saúde e na doença. Uma poliglota inflexível disse que para ela só servia quem falasse cinco línguas. Arruma­­ram-lhe um que dominava três. Preferiu a solidão de Babel. E houve o episódio da médica e seus 25 cachorros: não haveria alguém disposto a ser só mais um vira-lata nesse coração de Brigitte Bardot.

A rotina não é sempre essa rinha. Na maioria das vezes, Sheila negocia para que "procurantes" amoleçam 2-3 itens de sua racionalidade emocional. A bela que só aceitava um sujeito de mais 1,80 metro está hoje bem casada com um baixote, verdadeiro frasco de perfume francês. Já a que rejeitou o melhor cara do fichário só porque ele usava meias brancas, bem podia ter promovido uma sugestiva queima das soquetes e fechado negócio. Mas...Assim falando, parece que só o mulherio empaca o expediente. Que nada: os barbados são mais insondáveis do que a "conjectura de Poincaré". Sheila não descobriu até hoje o que eles entendem por mulher bonita – condição sem a qual não arredam o pé. "É a garota mais linda que vi na vida", disse-lhe um, diante da foto da mais pálida das criaturas. O amor tem dessas coisas – pode ser à primeira vista. Mas Sheila também faz em cinco vezes.

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