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José Carlos Fernandes

Os moradores da Praça do Atlético

 | Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima)

Os moradores de rua chamados Márcio, Adaílton e Clodoaldo estão em fase de despedida. Não de 2013, mas da Praça do Atlético, onde vivem ao sabor dos minuanos. O logradouro será fechado para reformas, em função da Copa do Mundo de 2014. As obras já começaram e nossas pernas tremem – de medo.

Quanto aos ex-condôminos, parecem conformados. Márcio, 34 anos, foi morador da Praça Rui Barbosa. Seria recebido de volta com "obas", mas quer novos ares: planeja se fixar na Praça 29 de Março. Clodoaldo, 49, também arrumou novo endereço para assim que for despejado: vai para a Praça Ouvidor Pardinho. Quanto a Adaílton, 24, novato no sereno, estuda propostas.

O acampamento onde residem esses três homens está à vista dos milhares que passam pela Getúlio Vargas com a Brigadeiro Franco. De acordo com medição feita pela prefeitura em 2006, circulam por ali 8,1 mil veículos/hora. Todo esse povo pode ver as redes, o guarda-sol, o fogão improvisado com quatro tijolos. E os cachorros. Cinco, para ser mais preciso. Chicão, Pequeno, Tatu e Lupita no terreno do Márcio; a guapeca Baby na área do Clodoaldo. Tchuca-tchuca, ela pede colo.

Se fossem chamados para um café da manhã com o papa Francisco, como aconteceu na última terça a quatro mendigos sortudos que flanavam pelo Vaticano, o trio iria, mas com a condição de levar seus melhores amigos, como fez um dos convivas do pontífice. Quem olha de fora esse amor de Carlitos se comove.

Todos os cães do Atlético têm madrinhas, que os presenteiam com ração importada, sem falar nos afagos, quase indecentes. "Uma injustiça, eu não tenho madrinha nenhuma", debocha Clodoaldo, que há 11 anos mora em um carrinho de reciclagem e vive de catar "coisas boas" nos lixos. "Já enjoei de vender TV jogada fora".

Quando sai para a garimpagem, cuida para que a cachorrinha Baby não tome sol demais. Márcio também se esvai em esmeros. Reconhece que por causa dos filhotes acabou sendo bem recebido na redondeza. De longe, um morador lhe acena à curitibana: "Ooooop...". Passo ligeiro.

Quando os torcedores da Fanáticos assam churrasco na praça, chamam os inquilinos para a comilança. Os frequentadores da pista de skate, do mesmo modo, fazem o maior "batê-batê-pá-tu" com a turma da mendicância. Eu vos digo: não verás família de rua como essa.

Márcio e Adaílton são vacinados contra as contendas comuns ao povo da rua. Gostam de receber visitantes, gente que vem para passar uns dias. Que cheguem. Mas as normas da hotelaria são duras. Não pode mexer "demais" com a mulherada; nem dizer baixaria para as travestis da esquina. Cada hóspede é informado sobre onde fazer o "número um" e o "número dois". Da limpeza do gramado. Da divisão bélica de alimentos, o "troca rango".

"Quer comer um doce sozinho? Vai comer em casa", esbraveja Márcio, o síndico, enquanto passa um café fresquinho, que oferece. Ele pode ser um lorde. Gaúcho, promove rodas de chimarrão que fazem da praça um pampa de felicidade. Mas, rude como um tropeiro, não faz cerimônia em oferecer a vassoura de piaçava aos porcalhões de passagem.

O líder só não é xarope com asseio pessoal. Questão de coerência. "Sou hippie e hippie não é de banho", avisa. O que não lhe impede de descrever as delícias de um banho de chafariz, seu preferido. E a eficiência de um banhinho de caneca, na madrugada, no melhor do estilo "a lua e eu".

Quanto a Adaílton, um brinco. Negro forte, parece recém-saído da toalete. Todo santo dia paga cincão por um chuveiro. Clodoaldo prefere os préstimos da irmandade Toca de Assis, na Vila Guaíra, onde também faz barba e cabelo. De modo que, na média, as práticas de higiene no pedaço estão no pico da escala Pompom com Protex.

Só não dá para ser perfeito, né. Clodoaldo repete sem parar o mantra do AA – "só por hoje". Adaílton prefere não comentar o que passou – biografia, só autorizada. Márcio não faz rodeios: "Eu bebo, sim" – e até pede uns trocos para a maldita. Faz o tipo conformado. Adaílton, o tipo inconsolado. Clodoaldo, o realista. Ou quase.

Ele acredita que uma hora dessas vai encontrar uma fortuna numa caixa de sapatos, jogada fora por alguém que cansou de ser rico. Esse sonho o tira do colchão todas as manhãs, até que a sorte o encontre. Abraçado a seu radinho de pilha, nas noites escuras da Praça do Atlético, espera.

De volta para casa, segui pela Getúlio decidido a começar esse texto dizendo que somos todos iguais ao Clodoaldo. Passamos pela vida desejando encontrar um tesouro, seja ele qual for. Mas aqui, termino.

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