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Na minha adolescência – passada num seminário – eu costumava participar de uma brincadeira divertida à beça. Bastava reunir dez ou 15 guris. Sentávamos lado a lado e cada um ganhava um dos postos da hierarquia católica, ou algum cargo da vida religiosa, ou mesmo uma função litúrgica – coroinha, por exemplo.

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O jogo começava quando o último da fila se levantava e dizia: "Eu fui à missa e não encontrei o papa..." Ao que o papa (sempre o primeiro da fila) se levantava bem rápido e gritava: "O papa não, faltou o bispo". O bispo fazia o mesmo: "Bispo não, padre"... O padre esganiçava: "Padre não, cônego..." Seguia assim, até alguém se embananar e ser rebaixado ao último cargo, o de sacristão.

Era uma dança das cadeiras bestial. De tão ligeira, muitos não decoravam seu novo título na "linha sucessória". A depender do lugar em que estivesse o perdedor, num estalar de dedos o bispo poderia virar cardeal e o monsenhor, vigário. Era tolinho, eu sei, mas uma delícia. Parecíamos um banco de patos ligados à tomada elétrica, sentando e levantando feito tantãs até aprender quem estava acima de quem, abaixo do trono de Pedro.

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Suspeito que o "bispo não, padre", como chamávamos, tenha surgido no Exército, para que os soldados rasos não esquecessem o significado da pilha de insígnias presas a uma farda, sob pena de dormir na masmorra. "Coronel não, marechal." A tática funcionou bem quando adaptada à Igreja. Aprendíamos, por exemplo, que cardeal e monsenhor eram títulos simbólicos. E que freiras e irmãos não faziam parte da cúpula eclesial.

Mas havia uma ironia. Na prática, o objetivo do jogo era derrubar o papa. Como podíamos? Pequenos hereges. É verdade que alguns não levavam o menor jeito para o reinado. Eram sepultados logo na primeira rodada, descansando em paz na cripta da nossa basílica imaginária. Mas não raro havia entre nós os recordistas no posto, que se autointitulavam Papa Léguas ou Papa Tudo, para citar aqui dois nomes publicáveis.

O participante mais ágil sobrevivia por horas, resistindo bravamente às pressões, eterno e infalível como julgávamos os sumos pontífices da vida real. Mal passava pela nossa cabeça que algo parecido pudesse acontecer de fato. Pelo menos até o dia da morte de Paulo VI. Era 1978. Descobrimos mais coisas naqueles dias do que em meses de "bispo não, padre". O reitor nos explicou como funcionava um conclave, o que fazia o camerlengo – e não escondeu que havia disputas pelo poder nos subterrâneos do Vaticano, num flagrante atentado à nossa inocência de postulantes e aos direitos do Espírito Santo.

A eleição do novo pontífice foi acompanhada pela comunidade numa tevê em preto e branco, bem chinfrim. Enquanto esperávamos a fumacinha branca sair da chaminé da Capela Sistina, os chefes da Igreja não estavam brincando de "papa não, bispo", como nós. Não se tratava de um filme de Fellini.

Foi um rito de passagem. Os funerais e o "paredão duplo" que primeiro elegeu João Paulo I e, logo em seguida, João Paulo II vieram acompanhados de bons papos sobre o caráter universal do catolicismo, e o que significavam aqueles dias. Confesso que nunca mais consegui olhar para uma fotografia de Paulo VI sem me emocionar.

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Era o papa da nossa mocidade, aristocrático do alto de seu nariz de águia, um homem com aura, ainda livre da vulgaridade midiática. Anos depois, fiquei sabendo de suas investidas contra a ditadura militar no Brasil e a defesa que teria feito de dom Pedro Casaldáliga, jurado de morte. Se o tocassem, renunciaria, desencadeando um escândalo mundial.

Até hoje não sei se ocorreu assim de fato. Mas decidi acreditar que sim. O mais importante já estava feito. Toda aquela ciranda de papas no fim da década de 1970 tinha servido para firmar um jeito de ser Igreja, incluindo os que não faziam parte dela. Um conclave, em suma, é uma escola – ainda mais agora, com um ex-papa por perto, como brinca o Elio Gaspari. "Papa não, ex-papa", diríamos nós, se ainda fôssemos guris.