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José Carlos Fernandes

Quem não gosta de operetas?

 | Foto: Hugo Harada Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Hugo Harada Arte: Felipe Lima)

Parece mentira, mas houve um tempo em que muitos curitibanos diziam o nome de astros da ópera com a facilidade com que repetiam a escalação do Ferroviário F.C. E até apelidavam de Caruso, Mário Lanza e coisa e tal os conterrâneos que julgavam habilitados a deixar de cantar no banheiro para se apresentar com Maria Callas no Scala de Milão.Foi assim com o publicitário Adolar Guerino Zandoná. Nos idos de 1950, ele passava pela Boca Maldita quando um dos linguarudos que por ali flanavam berrou a ponto de ser ouvido no 7.º andar do Garcez: "Olhe, lá vai o Gino". O Gino a que se referia era o suprassumo Gino Bechi, barítono italiano de sobrancelhas taturanas, sorriso de reclame de dentifrício e um gogó tão poderoso que poderia ordenar o oitavo dia da criação, caso tentasse.

Pois de Gino chamado, Gino ficou. Se alguém fala "oi, Adolar", acha que não é com ele ou que sua mãe reencarnou. OK, na rua já não se ouve ninguém esgoelando coisas como "olhe, lá vai o Carreras" – a não ser que seja noutro sentido. Mas é raro, entre os mais vividos, quem não cochiche, ao ver o Gino, que "lá vai o melhor cantor de operetas da cidade".

Aconteceu comigo. Quem me cutucou foi o Cid Destefani ao flagrar o veterano esbanjando sebo nas canelas e elegância domingueira aos 84 anos. E que papo – só faltou dar uma palhinha de La Traviata, sua especialidade. "Fui um tenorzinho sem importância", esquivou-se.

Gino, o daqui, saiu do anonimato quando tinha 9 anos, ao fazer um solo no Teatro São Theodoro, hoje o Guairão, representando a Escola Doutor Pedrosa numa espécie de soirée de talentos de calças curtas. Até então, confundia-se aos piás criados "perto dos Bettega", como se dizia nos tempos em que os pontos cardeais eram identificados pelo endereço das famílias de bufunfa.

Ocorre que Adolar corria solto nos capões do Portão, mas tinha uns amigos da comunidade alemã dados a assobiar trechos de A viúva alegre, de Lehar. Quis saber do que se tratava e descobriu o sentido da palavra opereta. Pegou gosto. Nascia o cantor.

Ele nega que tenha desejado a fama, mas em 1945, com o mundo dando adeus às armas, rebelou-se e foi viver em São Paulo, onde se tornou aluno do italiano Carlo Martini, que só faltava reger com um rolo de massa na mão. Foi como passar três anos em Esparta.

Como o curitibano sempre volta, Gino voltou, credenciado a integrar o Geopa, grupo do maestro Wolf Schaia que por duas décadas manteve a capital no mapa do canto lírico. De vizinho dos Bettega virou quase inquilino da Sociedade Thalia, onde tudo acontecia.

Seu álbum de recordações sobre o período é o que há. Num catálogo se vê o nosso Bechi ao lado de Claudete Rufino. Nas fotos, divide a cena com Yara Sarmento, uma diva a quem devemos justiça. É delicioso conferir as imagens dele a caráter, apresentando-se no Canal 12, com um reclame da Crush ao fundo.

Suspeito de que Gino logo percebeu que dos 60’s em diante não haveria muitas chances de montar Casa das Três Meninas, de arrancar aplausos de um Guaíra em febres e até de ser reconhecido na rua. A não ser que o tomassem por John Lennon. "A gente ensaiava à noite. Dureza, querido."

Sem remédio, lá se foi o tenor, fazer carreira em publicidade. Eram dele as agências AZ e a PAZ, em parceria com Zeno Otto. As operetas – largadas em 1976 – ficaram nos seus guardados. Mas nem em sonhos conclua-se que o Gino Bechi das araucárias cozinhou pinhões de ressentimentos em panelas de barreado.

Ele bate o pé que sua geração de amadores sonhadores fez escola, sim. "Afinal, quem é que não gosta de opereta?", pergunta, com a voz empostada, repetindo sílaba por sílaba, como se bolasse um slogan ao som de Rossini. "Fígaro, Fígaro... ói o Gino", ainda berro no meio da XV. Gente como ele, convenhamos, é a alma do negócio.

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