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José Carlos Fernandes

Só love, só love

 | Foto de Marcelo Elias - Ilustração de Felipe Lima
(Foto: Foto de Marcelo Elias - Ilustração de Felipe Lima)

A vida da pedagoga Sheila Chamecki Rigler não é bolinho. Todo santo dia ela atura dores de amores. Há quem se queixe da mensagem algo estúpida deixada no celular. De ele ter passado dos 40 e ainda morar com a mãe. Esquisito, né? Ou do signo da moça no horóscopo chinês – She, a serpente. Quando até os astros conspiram, sabe-se, explode coração.

A cada suspiro das almas em tormenta, Sheila arqueia as sobrancelhas, dá um nó no colar de pérolas e diz num curitibanês impecável o que se há de fazer. Se não houver remédio, recorre à ajuda dos computadores e sugere um novo candidato ao posto de Babalu. "Que tal esse?" Caso a informática não remova montanhas, apela à intuição, sua arma para lidar com o amor em tempos de cólera. "Vá por mim". Pelo que se tem notícia, sua flecha de Cupido é zás-trás.

Tem sido assim nos últimos 15 anos, desde que avaliou 700 franquias e bateu o pé que ia abrir uma agência de casamentos. Teve de enfrentar legiões e exércitos cheios de som e fúria. Marido, parentes e amigos fizeram um coro de vaias para demovê-la. "Ih! Um troço desses em Curitiba? Não vai dar certo."

Não só deu como rendeu a Sheila um dos recordes no setor – 1,3 mil uniões e poucas baixas: foram apenas 16 divórcios e 3 viuvezes, uma insignificância estatística que não faria um funcionário do IBGE se mover na cadeira. Grosso modo, ela promove sete enlaces por mês, o que a torna colaboradora de Santo Antônio de Lisboa, há oito séculos no posto de casamenteiro. A propósito: Sheila é judia, mas respeita o 13 de junho com a piedade de uma carola lusitana.

O amor, de fato, exige um esforço ecumênico. Que o diga a década e meia em que a senhora Chamecki se dedica a achar tampas de panela e metade de laranjas, função um dia destinada às tias enxeridas. No começo, ajudava recém-divorciados a voltar ao mercado. Era uma turma previsível – ela de bobs e ele de terno. Mas na medida em que Curitiba cresceu, inflacionando o anonimato e a solidão, os arquivos da agência começaram a cuspir pastas. Jazem ali de jovens desiludidos com baladas e azarações a doutos afogados em diplomas, mas sem alguém para os dias ruins.

A fauna e a flora da agência são tão variadas que Sheila e sua assistente, a psicóloga Bárbara Snizek, já estão aptas a escrever uma versão revista e ampliada do Tratado da Alma, de Aristóteles. Cá entre nós, ouvi-las falar sobre o expediente num consórcio matrimonial é mais divertido do que paquerar na fila da comunhão.

Aviso aos navegantes. Em caso de colóquio com Chamecki-Snizek, melhor evitar conversa fiada sobre a estranha lógica da paixão. Achar que vai encontrar a alma gêmea no balcão da panificadora, honey baby, pode convertê-la na rainha da padaria, e só. Outra falácia, segundo as especialistas, é o blablablá de que os opostos se atraem. Bocejo. Sheila esconjura o teorema: "As diferenças atraem no começo para separar depois."

Para evitar que a devoção dele ao Oswaldo Montenegro e a dela ao terceiro escalão da Jovem Guarda – tipo Joelma e Kátia Cilene – separe o que Deus uniu, a pedagoga e a psicóloga capricharam no questionário de ingresso no programa: são cento e poucas perguntas, incluindo informações sobre as condições de moradia da santa mãezinha.

As duas atestam – é uma lenha cruzar as preferências em busca da combinação perfeita, dessas que receberiam um carimbo do Massachussetts Institute. Tem as que não querem trololó com orientais – nem que seja um acionista da Honda. As alérgicas a pão-duro. Os idosos inspirados pelo Viagra. Quem jure que a Isabeli Fontana fez cadastro ali. E o pinta que rejeita uma mulher prendada só porque a pobre tem três filhos – dois deles na melhor fase da vida, a adolescência.

"Acho que tem gente que não vai casar nunca. E deve dizer que a culpa é minha", suspira Sheila. Bárbara discorda. Garante que tem amor pra todo mundo – por certo lembrando de algum caso perdido já aterrissado no seu divã. Ela tem razão. Sabe-se lá por quem os sinos dobram. Só love, só love.

José Carlos Fernandes é jornalista.

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