A vida da pedagoga Sheila Chamecki Rigler não é bolinho. Todo santo dia ela atura dores de amores. Há quem se queixe da mensagem algo estúpida deixada no celular. De ele ter passado dos 40 e ainda morar com a mãe. Esquisito, né? Ou do signo da moça no horóscopo chinês She, a serpente. Quando até os astros conspiram, sabe-se, explode coração.
A cada suspiro das almas em tormenta, Sheila arqueia as sobrancelhas, dá um nó no colar de pérolas e diz num curitibanês impecável o que se há de fazer. Se não houver remédio, recorre à ajuda dos computadores e sugere um novo candidato ao posto de Babalu. "Que tal esse?" Caso a informática não remova montanhas, apela à intuição, sua arma para lidar com o amor em tempos de cólera. "Vá por mim". Pelo que se tem notícia, sua flecha de Cupido é zás-trás.
Tem sido assim nos últimos 15 anos, desde que avaliou 700 franquias e bateu o pé que ia abrir uma agência de casamentos. Teve de enfrentar legiões e exércitos cheios de som e fúria. Marido, parentes e amigos fizeram um coro de vaias para demovê-la. "Ih! Um troço desses em Curitiba? Não vai dar certo."
Não só deu como rendeu a Sheila um dos recordes no setor 1,3 mil uniões e poucas baixas: foram apenas 16 divórcios e 3 viuvezes, uma insignificância estatística que não faria um funcionário do IBGE se mover na cadeira. Grosso modo, ela promove sete enlaces por mês, o que a torna colaboradora de Santo Antônio de Lisboa, há oito séculos no posto de casamenteiro. A propósito: Sheila é judia, mas respeita o 13 de junho com a piedade de uma carola lusitana.
O amor, de fato, exige um esforço ecumênico. Que o diga a década e meia em que a senhora Chamecki se dedica a achar tampas de panela e metade de laranjas, função um dia destinada às tias enxeridas. No começo, ajudava recém-divorciados a voltar ao mercado. Era uma turma previsível ela de bobs e ele de terno. Mas na medida em que Curitiba cresceu, inflacionando o anonimato e a solidão, os arquivos da agência começaram a cuspir pastas. Jazem ali de jovens desiludidos com baladas e azarações a doutos afogados em diplomas, mas sem alguém para os dias ruins.
A fauna e a flora da agência são tão variadas que Sheila e sua assistente, a psicóloga Bárbara Snizek, já estão aptas a escrever uma versão revista e ampliada do Tratado da Alma, de Aristóteles. Cá entre nós, ouvi-las falar sobre o expediente num consórcio matrimonial é mais divertido do que paquerar na fila da comunhão.
Aviso aos navegantes. Em caso de colóquio com Chamecki-Snizek, melhor evitar conversa fiada sobre a estranha lógica da paixão. Achar que vai encontrar a alma gêmea no balcão da panificadora, honey baby, pode convertê-la na rainha da padaria, e só. Outra falácia, segundo as especialistas, é o blablablá de que os opostos se atraem. Bocejo. Sheila esconjura o teorema: "As diferenças atraem no começo para separar depois."
Para evitar que a devoção dele ao Oswaldo Montenegro e a dela ao terceiro escalão da Jovem Guarda tipo Joelma e Kátia Cilene separe o que Deus uniu, a pedagoga e a psicóloga capricharam no questionário de ingresso no programa: são cento e poucas perguntas, incluindo informações sobre as condições de moradia da santa mãezinha.
As duas atestam é uma lenha cruzar as preferências em busca da combinação perfeita, dessas que receberiam um carimbo do Massachussetts Institute. Tem as que não querem trololó com orientais nem que seja um acionista da Honda. As alérgicas a pão-duro. Os idosos inspirados pelo Viagra. Quem jure que a Isabeli Fontana fez cadastro ali. E o pinta que rejeita uma mulher prendada só porque a pobre tem três filhos dois deles na melhor fase da vida, a adolescência.
"Acho que tem gente que não vai casar nunca. E deve dizer que a culpa é minha", suspira Sheila. Bárbara discorda. Garante que tem amor pra todo mundo por certo lembrando de algum caso perdido já aterrissado no seu divã. Ela tem razão. Sabe-se lá por quem os sinos dobram. Só love, só love.
José Carlos Fernandes é jornalista.