| Foto: Foto: Priscila Forone - Ilustração: Felipe Lima

Fábio Lopes de Oliveira, 56 anos, é brasileiro, estatura mediana e não tolera lero-lero. Comportado, defende a desobediência civil. Racional, sente ganas de chorar quando sabe de criança fora da escola. "É meu calo, meu calo", repete o falante das mãos de hélice e pinta juvenil. Ele parece ter chegado há cinco minutos da campanha Diretas Já. E faz parte do seu show fazer alguma coisa.

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Foi o que se deu.

Há dois anos, transformou o Pacatatu, um boteco no trecho sem-saída da Rua Almirante Gonçalves, em Vallentina, um restaurante de cozinha brasileira. De lá para cá, pelo menos três crianças da redondeza já foram batizadas com o nome do estabelecimento, o que muito o alegra, mas não paga as penduras.

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Ocupado em encontrar uma divulgação boa e barata para o principal prato da casa, a feijoada, o bravo imprimiu o cardápio naquelas toalhas de papel usadas para forrar bandejas. E eis que um milagre cívico se deu ali, na superfície onde repousam ossadas com marcas de dentes e pelancas que são um pecado.

Como sobrou espaço em branco na folha, aproveitou para zoar de uns caras da freguesia que se gabam de só sair da cama no domingo às duas da tarde. Num cantinho da folha, cravou o que fazer no Dia do Senhor a partir das seis da madruga, como tomar café da manhã numa daquelas padarias do Bacacheri que ainda não viraram entojadas "butiques de pães".

Dica aqui, dica acolá, Fábio se deu conta que seu papel-toalha tinha ficado cuspido e escarrado o quadro-negro dos tempos em que lecionava Geografia num cursinho. Era seu método: desenhava, escrevia e inventava moda com giz. A turma aprendia até qual era a capital da Malásia. Achou graça da coincidência, pôs um título bem ligeiro – Sem compromisso – e mandou o ar­­quivo para a gráfica.

O sucesso foi tamanho que as toalhinhas enviadas pelas cervejarias encalharam ao lado do caixa. Quaquará-quaquá, lógico, alguém gritou da mesa, com o rabo do porco entre os dedos: "Chefia, quando é que sai o nú­­mero 2?" Nascia assim o pasquim do Fábio: sem marketing, sem repórteres, sem patrocínio e ao preço módico de R$ 200 o milheiro. O idealizador, hoje em vias de imprimir a 18.ª edição, reconhece – é mais divertido fazer jornal do que vender cumbucas de feijão e pratadas de senzalas.

Ao saber do case de sucesso, uma cervejaria já se ofereceu para bancar o Sem compromisso. Mas nem que a vaca tussa. "Eu perderia minha independência editorial", vaticina o mais novo representante de um gênero que parecia estar enterrado nalguma curva dos anos 70 – os jornais nanicos, categoria do engajado Movi­­mento e do desbundado O Lampião.

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Sei não, mas arrisca a folhinha de 42 cm X 30 cm entrar pa­­ra a galeria dos maiorais. Além do noticiário à moda Twitter, o periódico põe seus leitores a rir. Duas seções fixas são o Macaco Simão do negócio. Numa, os pa­­pagaios Tomilho e Alecrim me­­recem levar um sabão. Noutra, Fábio coloca retratos de famosos junto de sósias anônimos, seus conhecidos. Um garçom saiu ao lado do Obama e outro cheek to cheek com o Ed Motta. Sem falar no freguês que é a cara do Tom Cruise, com a vantagem de não botar o pé no sofá.

O grande trunfo, contudo, é a cobertura política. Fábio esculacha o presidente Lula, seu desafeto confesso. De tanto malhar o homem de Garanhuns, já pode ser chamado de o Diogo Mai­­nardi da Água Verde. Conselho aos lulistas: como não tem página para virar, é só entortar o zóio em direção às montagens nas quais o editor aparece em cenas do noticiário. Mainardi vira Hitchcock. Mês passado, bancou o correspondente internacional e "foi" aos funerais de Michael Jackson. Um sarro, mas sabe cumé: "Meu, quando sai o próximo número?"

José Carlos Fernandes é jornalista.