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 | Foto: Aniele Nascimento – Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Aniele Nascimento – Arte: Felipe Lima
  • Interferência em retrato antigo da Rua Manoel Martins de Abreu, principal acesso da Vila das Torres. Comunidade teve sua origem na década de 1950, como parte da hoje extinta Favela do Capanema. Conhecida como
  • Adolescentes participantes da oficina de Newton Goto, com o mapa da vila ao fundo e algumas indagações sobre o espaço urbano.
  • Painel com as reivindicações dos adolescentes – calçada, cuidado nas barrancas do rio, lombada. Bairro popular mais antigo de Curitiba ainda não foi integrado à capital
  • Colagem com vários desenhos dos oficineiros. Moradores antigos falam do tempo em que se banhavam no Rio Belém. Pergunta de Goto foi
  • Durante uma das caminhadas na beira do rio, participantes viram uma família de capivaras – um sinal de vida no rio que se confunde ao esgoto
  • Rock in Rio Belém – colagem traduz humor e afeto dos adolescentes com o lugar onde vivem
  • Cartaz chama para uma
  • Cartaz assinado por Marcos Eriberto dos Santos, o Marcão, líder comunitário da Vila das Torres, participante das caminhadas

Há pouco mais de duas décadas, me dedico a uma bisbilhotice: observo a carreira do artista plástico Newton Goto, 43 anos. Faço o serviço sem alarido, sem precisão. Aconteceu. Fomos contemporâneos na Escola de Belas Artes. Ele vingou no ofício – eu, necas. Essa história me lembra um dos livros que amo – A majestade do Xingu, de Moacyr Scliar, leitura que aqui deixo como sugestão e enigma.

Não guardo rancor do insucesso na "Belas". Antes, acho graça. Lembro do que me disse um mui amigo: "Você gostava da arte, mas a arte não gostava de você", risos. Já Goto, ah, o Goto estava escrito nas estrelas. Colegas e professores logo sacaram. Ele nem tinha se diplomado quando a crítica Adalice Araújo o apontou como uma promessa dos anos 1990 – e a Adalice nunca errava. Tudo parecia concorrer para que se tornasse o maioral, a fina estampa dos catálogos.

Mas o circuito dos vernissages não lhe caía bem. Como que torturado por Band-aid no calcanhar, saiu por aí, descalço mesmo. Tenho meu palpite sobre o episódio que representou seu début na cidade – essa sim a galeria de seu apreço. Estava rumo ao pico da carreira quando montou uma barraquinha com o pessoal do Movimento Sem Terra, o MST, na histórica ocupação do Centro Cívico, em 1999. Ergueu ali um espaço expositivo com dois bambus, uma lona preta, um varal na frente. Descobriu a ironia. Nunca mais foi o mesmo.

Nos anos seguintes, fez o diabo: instalou plotagens na Travessa da Lapa – para deleite dos passageiros do biarticulado; integrou grupos de arte urbana do bairro Santa Teresa, no Rio de Janeiro; ficou pelado em protesto; fez fotografia no Litoral, com a gurizadinha caiçara; registrou a relação das pessoas com a tevê. Em companhia de outros libertários, andou pelos terminais de ônibus, pedindo a populares que desenhassem o mapa dos bairros empoeirados em que viviam. Depois se fazia trecheiro, indo às lonjuras cartografadas. Newton pedalava ao vento, sorte dele. E nossa, que assistindo a seus voos ficávamos imaginando como a vida poderia ser se tivéssemos armado nossa lona noutra freguesia. Pois é...

Dias atrás, soube que o Goto agora anda metido na Vila das Torres – fazendo arte. Perguntei se, quando ele passa, o povo diz "olha, lá vai o artista". Não soube responder: "Acho que me chamam de Newton mesmo". Como a vila é muito cortejada por urbanistas, sociólogos e viajantes, imagino que o estejam tomando por algum intercambista norueguês, às voltas com o exotismo da pobreza. Nosso personagem tem pinta de estrangeiro. E é um viajante de fato.

No final do ano passado, mostrou a que veio. Numa parceria com o curso de Arquitetura da PUCPR e com o Colégio Estadual Manoel Ribas montou uma oficina para alunos das duas instituições. Para surpresa, os adolescentes da Vila das Torres lotaram o curso cujo principal objetivo era... explorar a Vila das Torres.

Não saíram chupando o dedo. Em quatro expedições, Goto os reapresentou ao lugar onde nasceram. Inserir-se em circuitos ideológicos, como diria seu guru Cildo Meireles, é uma das habilidades desse criador. A trupe seguiu pela "Rua do Meio", mapeou as divisas com as avenidas padrão Fifa, ali em riba; fez trilhas pela mata, prestou tributo ao que sobrou dos rios Água Verde e Prado Velho; palmilhou o Rio Belém – que por ali passa com cor, cheiro e sabor i-ni-gua-lá-vel. Das batidas de perna surgiram nove cartazes, no momento expostos na porta do museu de perifa criado pelo comerciante José Francisco Sanches, o Baleia.

Sugiro levar a mostra para o MON. Nas imagens, a garotada ilustra fotos do bairro perguntando onde anda a calçada, a lombada, o gabião que segura as barrancas do Belém. Mas não os tomem por protestantes prestes a atirar vasos sanitários na porta da prefeitura. Paz e amor, bicho. Não há nada de panfletário nesses trabalhos. Antes, são declarações de afeto a um pedacinho de terra onde bem podiam cantar os sabiás.

Prova do apreço é que num dos cartazes os oficineiros aparecem em pose de astros pop, à beira do rio morto, debaixo do emblema "Rock in Rio Belém". Humor é preciso. Aprenderam com Goto, um cara que sabe pôr tudo a perder, por isso ganha. A propósito, um dos cartazes é de autoria única e exclusiva dele. Na imagem, cataloga para a ciência a chamada "flor da vila", enxerto de uma "coroa de Cristo" com flor de maracujá. Talvez a natureza não chegasse a tamanha proeza. Para compensar essa falha, dizem, é que inventaram os artistas.

No segundo semestre do ano passado, como parte do evento Sincronicidades, promovido pelo Departamento de Arquitetura da PUCPR, o artista plástico Newton Goto desenvolveu a oficina "Incursões e Inserções Urbanas". Foram feito ao todo oito caminhadas na vila, em sua maioria com adolescentes moradores da comunidade, estudantes do Colégio Estadual Manoel Ribas

A Vila das Torres em cartaz

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