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Luís Henrique Pellanda

A subida dos moços

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Meio-dia e meia, e os três moços sobem ao terraço. Usam bonés, mas não ligam para o sol, o verão, o risco de temporal. A proximidade do para-raios não os assusta. Querem subir, e isso é tudo. Já almoçaram na obra, estão satisfeitos. Não fumam, não bebem água. Sem medo e sem chinelos, vencem o calor e a escadinha vertical. Sentam-se em roda, entre as antenas do prédio diante do meu. Como se fossem jogar cartas, puxam os celulares. Cada qual com seu baralho.

Eles não sabem, mas são invasores. O terraço já tem dono, um carcará. Pouco antes da subida dos moços, a ave voou de seu parapeito favorito até um telhado vizinho. Faz isso todo dia, ao pressenti-los. Não se aflige com a ocupação temporária. Rapinante, estuda os rapazes, talvez planejando aliviá-los de alguma presa, um ás ou um coringa, por ora indescortináveis. É certo que os julga e avalia, e que só os tolera a distância. Mas é um juiz inescrutável, guarda para si as piores sentenças, e é este o seu poder maior: o de conter, dentro dele, as próprias revoadas.

O carcará não escreve. Mas acredito que, a seu modo, saiba ler

Não, os moços não são assim, nem poderosos, nem contidos, nem analíticos. Os moços não voam e não rapinam, não ainda. Por enquanto, apenas sobem ao terraço, ao meio-dia e meia. Nem sequer sabem que ali, onde agora descansam, esteve pousado, minutos antes, o imperioso carcará que os esquadrinha. Tudo o que sabem é blefar consigo mesmos, rir para suas telas, no cume das coisas.

Às vezes, riem tão alto que os ouço da mesa onde trabalho, e quando a risada de um é assim, clamorosa, os outros despertam de seu solipsismo, cada um içado de uma rede particular de prazeres, querendo saber o motivo de tanta graça. O primeiro passa o celular ao segundo, que o repassa ao terceiro, e todos riem juntos, por obrigação ou companheirismo, dá no mesmo, já arrependidos de terem se interessado pelo humor alheio. O carcará, por sua vez, não ri, e nem se arrepende.

Os moços jamais olham para baixo, para cima, para os lados. Nunca me viram à janela, e muito menos o pássaro que desalojaram. Não namoram o céu, a cidade. Apenas sobem ao terraço, ao meio-dia e meia, que é quando digitam e riem, leem e escrevem. Nenhum cigarro, nenhum refri, nenhuma soneca entre os turnos. Em vez disso, a suspensão das incertezas e o riso aberto, registrado por escrito, enviado a parceiros ausentes. Sim, o riso dos moços também quer subir, ir ao espaço e voltar renovado, em chamas.

Suas roupas estão duras de tinta, gesso e argamassa, mas seus bonés estão limpos, preservados do desgaste dos expedientes, e é com eles sobre os olhos que se fotografam, no topo inviável do mundo. Brancas de quebrar azulejo, derrubar parede, rejuntar latrina, suas mãos agora são máquinas de rir e escrever.

O carcará não escreve. Não se esforça além do necessário, é econômico. Não semeia nem colhe, só cultiva oportunidades. Mas acredito que, a seu modo, saiba ler. A natureza decerto lhe reservou livros peculiares. Paciente, ele espera pela descida dos moços, sabe que são obrigados a descer. Não tem pressa. Em breve, voltará ao seu posto de pirata, enquanto os meninos, vocês sabem, voltarão à labuta e ao silêncio, à gravidade forçada dos andares mais baixos.

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